quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont - Parte 10.



GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 10.

Talvez julguem fastidioso e inútil reunir aqui maior número de provas, mas assim é necessário. Até 23 de outubro de 1906, não há um mísero jornal dos Estados Unidos, nem mesmo da terra dos Wright, que os acredite fotograficamente, documentadamente, com sucessos de voo em aeroplano com motor. A Europa também os desconhece, a fundo, nesse campo.

Todavia, enquanto nos cansamos em acumular fatos sobre fatos, os Estados Unidos continuam, com a máxima simplicidade, a crer apenas na palavra dos srs. Wrights e a afirmar que eles voaram em 1903. Mentira.

Mas porque motivo todos os historiadores ingleses e americanos não falam hoje, sequer, em Santos Dumont e no “14-bis”? Por que não averíguam pormenores; uns copiam os outros, e a verba de propaganda de Tio Sam é respeitável no câmbio atual. Política do dólar. O cruzeiro não vale nada no mercado externo e dólar vale muito. Riam-se de mim, seus incrédulos! Riam-se à vontade. Mas eu tenho razão.

Haverá porventura alguma possibilidade de me desmentirem? Nenhuma. As primeiras fotografias do aeroplano dos Wrigts, publicadas nos Estados Unidos aparecem na revista Century Magazine, em setembro de 1908. Quando nesse ano Wilbur partiu para a Europa, ia preso ao contrato de 500 mil francos a que alude Santos Dumont na passagem atrás citada. Foi o caso que um comitê de espertalhões franceses, presidido pelo repugnante trapaceiro Lazare Weiller, entrou em entendimentos com os dois célebres americanos a fim de, obtida a sua patente de invenção, a venderem a um governo qualquer por soma fabulosa. A maroteira falhou, mas Wilbur ainda conseguiu passar a mão em metade da quantia combinada; recebeu de Weiller 210 mil francos, equivalentes, então, a mais ou menos 50 mil dólares, alapardou-se com eles depois de voar em Paris e em Roma, e partiu para a sua terra, fundando ali uma companhia, a Wright Company, cujo inocente propósito consistia em assenhorear-se de direitos exclusivos para a construção de aeroplanos do mundo inteiro. Acabou enleando-se em dezenas de processos nos tribunais europeus e americanos, até que morreu de febre tifoide em 30 de maio de 1912. O irmão espichou em 1948, gozando tranquilo o seu inqualificável furto – o furto da glória de Santos Dumont.

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GONDIN DA FONSECA

 

Meus queridos amigos(as), seguidores(as) e visitantes!

A baboseira acima exposta foi a última postagem efetuada no ano de 2021. Aproveito a chegada do Natal para fazer uma pequena pausa destinada a um pequeno e merecido descanso, a fim de concatenar as ideias e recarregar as baterias, prometendo que, se DEUS quiser, retornarei em 2021, quando retribuirei todas às visitas, pois quem visita, espera ser visitado.

Aproveito também, para agradecer a valiosa companhia e compreensão de todos, pois sem essa extraordinária ajuda, jamais teria chegado aonde cheguei.

Muito obrigado de coração.

Mais uma vez, um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo para todos.

“QUE DEUS SEJA LOUVADO!”

Beijos no coração de todos.

 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont - Parte 09.


Campo de Bagatelle

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 09.

Santos Dumont – escreve o jornalista – é um homem de imenso entusiasmo. Pressentimo-lo ao conversar com ele; e certificarmo-nos dessa verdade quando nos lembramos que diariamente ele arrisca a vida e sacrifica a juventude e a fortuna em holocausto à sua deusa alada”.

Adiante, a revista imprime, numa bela página dupla, a melhor fotografia que conheço do voo de Santos Dumont, de 220 metros, em 12 de novembro, no campo de Bagatelle. A cercadura dessa página, artisticamente elaborada, recorda as principais tentativas humanas para a conquista do ar, desde a do Padre Lana, no século dezessete! Encima-a o seguinte título, mais do que documentário: “Man flies at last. M. Santos Dumont’s triumphant flight of 231 yeards in his aeroplane” – “O homem voa, finalmente! A perfomance triunfal de 231 jardas, realizada pelo Sr. Santos Dumont no seu aeroplano”.

Sob a fotografia lemos: ”constituiu um trunfo essa experiência, visto que se efetuou realmente um voo; parece, agora, que a conquista do ar é apenas uma questão de tempo”. “The experiment was a triumph, for actual flightwas achieved; and it seems as thought it were only a matter of time for the conquest of the air to be accomplished…”

Transcrevo esta revista por ser a mais popular e importante de Londres, mas não houve jornal inglês de feição moderna que silenciasse o feito de Santos Dumont. Poderia transcrever dúzias de notícias.

Em 1908, quando Wilbur Wright voa em França, escreve ainda a Illustratred London News, nº 26 de setembro, pag. 428:

The brother Wright of aeroplane fame, Whome experiments in América were for só long wrapped in unfashonable mystery, seem now to have entered into a strenuous, though friendly, rivalry with one another as the two shall break greater number of records in public”.

Traduzo: “os irmãos Wright, de fama aviatória, cujas experiências na América se envolveram durante tanto tempo num impenetrável mistério, parecem ter agora iniciado uma extenua e amigável competição entre si, para verem qual dos dois quebrará publicamente maior número de recordes”. E o Graphic (Londres) sublinha muito discreto: “todo mundo sente que o êxito de Wilbur Writght é devido mais à sua perícia do que às qualidades do aparelho”. – “It os generally fel that his sucess is due more to his personal skill than to any qualities inherent in the machine”.

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GONDIN DA FONSECA


quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont - Parte 08.


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 08.

Darei a palma aos irmãos Wright (respondo eu) no dia em que se descobrir que antes de 23 de outubro de 1906, um jornal qualquer do mundo, mesmo de Dayton, Ohio, notificou vagamente, entre os “faits-divers”, um pequenino voo mecânico desses figurões, autenticando-o com fotografia.

Exibam os Estados Unidos uma gravura apenas, uma única – mesmo falsa, tapeativa, mistificadora – impressa antes dessa data acerca de voos de Orville e Wilbur Wright em aeroplano com motor, e este meu livro será, definitivamente, afastado da circulação.

A melhor revista ilustrada da Inglaterra era, em 1906, como ainda hoje, a Illustrated London News. Quando Santos Dumont voa em França pela segunda vez, cobrindo 60 metros de percurso, ela estampa uma fotografia do “14-bis” (3 de novembro de 1906, pag. 629) sob o seguinte título: “One step nearer flyng: new machines to conquer the air. The first flight of a machine heavier than air. Santos Dumont winning the Archdeacon prize”. Notem: the first flight of a machine heavier than air – o primeiro voo de um aparelho mais pesado que o ar.

Sob a fotografia lê-se: “the only fotograf of a memorable event, showing the height attained” – “fotografia única de um acontecimento memorável, mostrando a altura atingida”.

Mais tarde, a 24 de novembro de 1906, divulga a Illustrated London News uma longa entrevista com Santos Dumont, proclamando: ”ha hoje um homem que se distanciou muito dos outros na conquista do ar. O seu nome está em todas as bocas”. Nem uma palavra acerca dos Wright.

Interrogado sobre os dirigíveis, Santos Dumont responde:

Podem satisfazer para fins bélicos mas, para esporte, são volumosos demais. Precisamos do aeroplano a fim de alcançarmos velocidades maiores. Atingiremos com ele, no futuro, 60 milhas por hora! Além de outras vantagens sobre os dirigíveis, tem o aeroplano a de ser bastante mais barato: o meu custou-me pouco, e o construí em breves meses.

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quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont - Parte 07.

 

Acidente que matou o Tenente Selfridge

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 07.

L’approche de la mauvaise saison semble redoubler le zèle de nos aviateurs et la semaine que vient de s’écouler a vu encore de suoerbes envolés. Un fort grave accident est survenu malheureusement a l’aviateur américain Orville Wright. Le 17 de septembre, au cours d’expériences lesquelles il enlevait avec lui un passager, le lieutenant Selfridge, une hélice de l’appareil se brisa: l’aéroplane déséquilibré fut précipité sur le sol d’une hauteur de 25 mètres. Le lieutenante est mort quelques heures après la chute, Orville Wright a une jambe brisée, et est condamné au repos pour 40 jour au moins”.

Há 10 de outubro de 1908, escreve ainda La Nature: “Après quelques jours d’inactivité apparente, employés à modifier son appareil, Wilbur Wright a repris au Mans le cours de ses espériences. Le 3 octobre il a exécuté avec un passager, un vol de 51 m. 1/3; la vitesse réalisée fut d’environ 60 Km. 600 m. … La principale des transformations apportées à l’appareil a èté la suivante: les kélices ont été remplacées, par de nouvelles, dont les palettes ont une largeur double des premières. De son coté. Farman a repris également ses essais au camp de Châlons, et réussit de remarquables envolées, couvrant 42 kilomètres em “4 m. 32 s.”

Wilbur Wright modificou, pois, o seu aeroplano na Europa, a fim de poder voar melhor. Nos Estados Unidos, o irmão espatifou-se e matou numa queda o primeiro passageiro que levava – o Tenente Selfridge. Onde a pretendida vantagem desses cavalheiros sobre os aviadores europeus de 1908? Orville, quebrada uma perna, tem de ficar de cama 40 dias. Wilbur aproveita as experiências de Farman e de outros, para alterar o biplano com que apedreja o espaço arremessando-se de um trilho de madeira de 24 metros, graças a um peso colossal de 700 quilos suspensos num pilone e solto no momento da partida.

Retrucar-me-ão que cito apenas jornais franceses, e Santos Dumont vivia em França. Que argumento com “parti-pris”.

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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont - Parte 06.

     

Wilbur Wriaht

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 06.

Quando, em 1908, Wilbur Wright vem à França e se exibe em Hunaudières e Auvours, acaso o seu aeroplano sobe ao ar por si mesmo? Não. É ainda lançado em arremesso como uma flecha, por uma espécie de catapulta. Nota-se que já Santos Dumont experimentava o “14-bis”, “o n.º 15”, “o nº 19”, e projetava o “Demoiselle”, o primeiro aeroplano de turismo construído no mundo, em que obteve o recorde de velocidade de 96 quilômetros à hora, no dia 13 de setembro de 1909, indo de Saint-Cyr a Buc (8 quilômetros) em 5 minutos. E os Wright ainda não conseguiam erguer-se do chão pelos seus próprios recursos…

Há, porém, um argumento de que ele, doente, não se lembrou, e que ninguém entre nós repetiu depois de Ribas Cadava (Navegação Aérea, Anvers, 1911, págs. 244-245):

Na grande sessão do Aero-Clube de França, de dezembro de 1910, cujas atas existem, ficou indiscutivelmente firmado “ter sido Santos Dumont o primeiro aviador do universo que subiu em aeroplano com motor”.

Isto liquida a questão. E se ainda não liquidasse, liquidá-la-ia definitivamente a inscrição do marco de Bagatelle:

ICI

LE 12 NOVEMBRE 1906 SOUS LE CONTRÔLE DE

L’AÉRO-CLUBE DE FRANCE

SANTOS DUMONT

A ÉTABLI LES PREMIERS RÉCORDS

D’AVIATION GU MONDE

DURÉE 21s 1/5 DISTANCE 220 m.



Esta inscrição foi reproduzida fotograficamente pelo jornal O Estado de São Paulo, em seu número 23 de rotogravura, de 28 de novembro de 1931. E eu li no campo de Bagatelle, em Paris, aonde por várias vezes levei amigos a fim de a lerem também. Vejamos ainda: revelou por ventura o aeroplano de Wilbur Wright formidável superioridade sobre os que então se construíam em França? Não. Os seus primeiros vôos na Europa, realizados em agosto no Hipódromo de Hunaudiéres e controlados pelo Aero-Clube de França, cobriram distâncias variáveis, entre 10 e 30 metros. Apenas isso! O aparelho subia arremessado por uma catapulta através de um trilho… Era acaso melhor do que o dele o do seu irmão Orville, que ficara nos Estados Unidos? Também não. Reparem no que diz a excelente revista Le Nature, de 26 de setembro de 1908, pág. 1.844 (supplément):

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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont - Parte 05.

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 05.

Há nesta argumentação, um erro contra o argumentador. O prêmio de São Luís era de 200.000 dólares, o que correspondia a um milhão de francos e não a 500 mil. Esqueceu-se Santos Dumont de abordar vários pontos. No artigo da revista Century Magazine, adiante referido, declaram os irmãos Wright ter convidado, em 1904, representantes de todos os jornais de Dayton (Ohio) para assistirem a um voo seu: vieram doze repórteres, e o aeroplano não voou; regressaram no dia seguinte, a pedido, e novo fracasso presenciaram. “Então (escrevem os homens) ignorando a diferença essencial entre dirigíveis e aeroplanos, nunca mais os jornalistas prestaram atenção ao que fazíamos.” Ora, em 1904, não havia no mundo aprendiz de impressor (quanto mais repórter) que não diferenciasse um aeroplano de um dirigível. Acrescentaram, ainda, os dois cavalheiros, terem cessados as suas experiências de voo desde 05 de outubro de 1905 a dias de maio de 1908. Tudo muito confuso… O sucesso dos Wright, em Paris, deveu-se, principalmente, a duas causas: 1.º) a serem exímios no voo planado, o que não sucedia com Santos Dumont; 2.º) a disporem de uma propaganda tão rica e tão boa que chegou a persuadir os franceses da vantagem apresentada pela máquina ianque em não possuir rodas! Ora, a falta de rodas só a prejudicava. Tanto isso era verdade que, em Roma, eles mandaram aplicar-lhes. E hoje todos os aparelhos aterram e sobem servindo-se de rodas – como o velho 14-bis. Observem que o aeroplano de Santos Dumont, em 1906, nada tinha de semelhante ao dos Wright; que os Wright não mostraram, na época, o aeroplano em que juraram ter voado em 1903; e que os modernos aparelhos, a rigor, evoluíram do tipo “Demoiselle” 1907-1909, de Santos Dumont, o qual, por sua vez, evoluiu do 14-bis. E o 14-bis? Esse, conforme atrás se disse, evoluiu do papagaio celular de Hargrave, que se inspirou no papagaio de brinquedo das crianças.

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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont: Parte - 04.


Gordon Bonnett

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 04.

Passemos, agora, ao ponto principal, que é a demonstração insofismável de que os Wright não voaram antes do nosso ilustre patrício.

Eis o que ele escreve no livro O Que Eu Vi – O Que Nós Veremos.

Os partidários dos irmãos Wright pretendem que estes voaram na América do Norte de 1903 a 1908. Tais voos teriam tido lugar perto de Dayton, num campo ao longo de cujo limite passava um bonde. Não posso deixar de ficar profundamente espantado por este feito inexplicável, único, desconhecido: durante três anos e meio os Wright realizam inúmeros voos mecânicos e nenhum jornalista de tão perspicaz imprensa dos Estados Unidos se abalança a ir assisti-lo, controlá-lo, e aproveitar o assunto para a mais bela reportagem da época. E que época! Estávamos em plena carreira de Gordon Bennett, esse protótipo do jornalista americano, fundador da grande reportagem, que havia mandado um de seus homens, Stanley, procurar Livingstone no centro da África, então desconhecida e inexplorada. Tudo que era novo ele encorajava. Recordai a Taça Gordon Bennett para balões livres, e a de automóveis. Nas minhas oficinas se encontrava, quase dia e noite, um de seus repórteres.

Estamos – dizia-me ele – num período áureo da história do mundo. Interessam-me prodigiosamente os seus trabalhos.”

E estes quase cotidianamente eram relatados no jornal de Gordon Bennett. Como imaginar, então, que na mesma época os irmãos Wright descrevem círculos no ar durante horas sem que ninguém disso se ocupe?

Só em 1908 é que os Wright vieram à França e mostraram pela primeira vez a sua máquina. Haviam-na guardado em segredo, diziam eles, durante cinco anos, desde o seu primeiro voo de 17 de dezembro de 1903.

Entretanto – e eu peço notar bem isso – se os dois americanos exibiram sua máquina em 1908, é porque haviam recebido uma oferta de 500 mil francos de um empresário francês, que lhes pedia em troca demonstrações públicas com o aparelho e cessão dos direitos de patente do mesmo para a França. Ora, em 1904, na Exposição Universal de São Luís, isto é, na época em que os Wright diziam que a sua máquina voava havia um ano – e São Luís ficava a poucas centenas de milhas de Dayton – havia a ganhar um prêmio de 500 mil francos, do mesmo valor da oferta de 1908. E nessa ocasião, nenhum direito de patente a ceder! Mas esses 500 francos não interessavam aos dois irmãos. Preferiram esperar quatro anos e meio e viajar 10.000 quilômetros para vir disputar a oferta francesa, no momento em que eu próprio, os Farman, os Blériot e outros voávamos já!”

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GONDIN DA FONSECA

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont - Parte 03.

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 03

Havia então, dois prêmios a disputar: um de 1.500 francos, oferecido por Ernest Archdeacon, para um voo de 25 metros. No dia 23 de outubro de 1906, Santos Dumont voou no campo de Bagatelle ganhando a Taça Archdeacon e a 12 de novembro desse mesmo ano obteve, lisamente, no mesmo local, o prêmio do Aero-Clube de França, voando 220 metros. Desse último voo existe um filme de que o Aero-Clube do Brasil possui cópia.

A seguir Santos Dumont construiu outros aeroplanos, o mais notável dos quais o “Demoiselle”, o primeiro avião de turismo do mundo.

O dinheiro foi-se-lhe minguando, Depois veio a grande guerra de 1914-18. Viajou muito e, afinal, já velho, fixou-se em Petrópolis. Uma vez lembrou-se de escrever ao Presidente da República que era Venceslau Brás, reprovando a construção do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro. Venceslau respondeu-lhe numa linha mais ou menos assim: “Recebi a sua carta, quando tiver necessidade de seus conselhos, avisarei”.

Nervoso, doente, abatido, vencido, Santos Dumont suicidou-se a 23 de julho de 1932, em Santos, no Hotel de la Plage, onde se encontrava com seu sobrinho Jorge Vilares.

Sumariando, esquematizando, a vida do nosso grande patrício é esta: Sua glória máxima – a de pioneiro da aviação – tem sido contestada. Dizem que, nos Estados Unidos, os irmãos Wright voaram antes dele. Isto é mentira. Demonstrei-o em meu livro “Santos Dumont” e vou expor, a seguir, as minhas razões. Julgue o leitor.

Santos Dumont deixou duas obras – Os meus balões e O Que EU Vi – O Que Nós Veremos, ambas interessantes, mas não essenciais para o conhecimento da sua trajetória na vida. A última traz, até, muitos erros contra ele.

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GONDIN DA FONSECA

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont - Parte 02.

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 02.

Disse e repetiu-se que Santos Dumont inventara a dirigibilidade dos aeróstatos. Absurdo. A dirigibilidade é de outrem. Ele se dedicou primeiro aos balões, como esporte, e depois aos dirigíveis. Homem de gênio – e dos maiores homens de gênio do mundo – viu que o motor a explosão era o único certo para voar e aplicou-o, com espanto geral, num dos seus dirigíveis. Até então se utilizavam motores a vapor, pesadíssimos, ineficientes.

Desde a primavera de 1900, um tal Deutsch de la Meurthe, magnata francês de petróleo, estabelecera um prêmio de cem mil francos para a Comissão Científica do Aero-Clube de Paris conferir ao primeiro balão dirigível ou aeronave de qualquer natureza “que entre 1º de outubro de 1900, 1901, 1902, 1903 e 1904 se elevasse do Parque de Aerostação de Saint-Cloud e, sem tocar em terra, por seus próprios meios, após descrever uma circunferência tal que nada se encontrasse inclusive o eixo da Torre Eiffel, retornasse ao ponto de partida no tempo máximo de meia hora”. A esses 100.000 francos adicionaram-se, mais tarde, 25.000.

Depois de várias tentativas sem êxito, conseguiu Santos Dumont a 19 de outubro de 1901, realizar essa proeza. Muito rico, distribuiu o prêmio (enormíssimo para a época) pelos pobres de Paris. Um delírio. Ninguém no mundo alcançou, jamais, a sua popularidade após tão estrondoso feito.

Era a primeira viagem aérea científica, Havia um horário de partida, um horário de chegada e um percurso predeterminado. Santos Dumont efetuou-a e essa glória jamais lhe poderá ser contestada.

Ele numerava todas as suas aeronaves. Aquela com que contornou a Torre Eiffel chamava-se “Santos Dumont nº 6”

Mais tarde surge o problema do avião. Havia planadores; não, porém aviões. Santos Dumont fabricou um, baseando-se no “papagaio celular” de Lourenço Hargrave, e pendurou-o no seu dirigível nº 14 para aprender a manejá-lo. Depois soltou-o do dirigível e crismou-o de “14-bis”. Aplicara-lhe um motor Antoinette, de 24 cavalos, que alterou para outro – também Antoinette, mas por ele modificado – de 50 cavalos.

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GONDIN DA FONSECA

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Grandes vultos: Santos Dumont - Parte 01.

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SANTOS DUMONT – Parte 01

(1873-1933)

O primeiro aviador do universo que subiu em aeroplano com motor

O avô de Santos Dumont (François Dumont) era francês. Veio para o Brasil – casado com uma senhora de Bordéus afim de se dedicar ao comércio de pedras preciosas. Teve três filhos e um deles, Henrique, nasceu em Minas Gerais, na cidade de Diamantina. Este Henrique estudou no Rio em Paris, onde se formou, em 1853, na École des Arts et Mértiers. Regressou ao Brasil, sua terra, e obteve em Ouro Preto o lugar de engenheiro de Obras Públicas. Ali casou-se em 1856 com uma filha do Comendador Francisco de Paula Santos, homem muito cotado, muito influente. De entre os seus vários filhos (oito), um sobreviveu – Alberto – nascido no arraial de João Alves, estação de Rocha Dias, fazenda da Cabangu, a 20 de julho de 1873.

Em 1879, Henrique Dumont desaveio-se com o sogro por causa de partilhas e embolsando alguns contos de réis (herança materna da mulher), meteu a cara no oco do mundo e foi dar em Ribeirão Preto, cidade que ainda era uma hipótese. Ali adquiriu a troco de nada, ou de quase nada, vastíssimas terras, e o café tornou-o milionário. Sua propriedade (os capiaus do lugar chamam-na, ainda hoje, a “Fazenda do Dumão”) possuía estrada de ferro própria, tão extensa ela era. Muitos anos volvidas retalharam-na em várias fazendas, e essas em sítios, os sítios em chácaras, as chácaras em lotes – pulverização completa.

Não é segredo para ninguém que as terras de Ribeirão Preto são as melhores do mundo. O pai de Alberto faleceu, a mãe suicidou-se no Porto (Portugal) e ele, que depois de vagos estudos no Colégio Kopcke de Campinas, se aboletara em Paris, dedicou-se ao esporte de gastar dinheiro e frequentar as boas rodas. O café dava para tudo. Como Dumont em França é nome vulgar (Dumont, Durant, Dupont, Duval, Duprat, Duroc, Duchap etc.) o jovem Alberto achou jeito de o nobilitar juntando-lhe Santos – unindo-o a Santos por um hífen. Assim: ”Santos-Dumont”. Ora, o café de Santos principiava-se então a impor-se no mundo. Julgaram-no, por isso, em França, o dono de Santos, o Rei de Café. Choveram-ĺhe amizades.

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GONDIN DA FONSECA

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Grandes vultos: Euclides da Cunha - Parte 08.


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

EUCLIDES DA CUNHA – Parte 08.

Segundo Francisco Venâncio Filho, os “concursos têm entre nós o aspecto de lutas primárias. Faltam os que sabem perder e mais ainda os que sabem ganhar. Como que o esforço de adquirir uma cultura por si mesmo dá a contenda, às vezes, aspectos de defesas de bem exclusivo. Sendo o menos imperfeito dos meios de seleção do magistério, enquanto não o formamos especificamente, é entretanto revestido de luta física. Se isto se dá até nas disciplinas da técnica experimental quanto mais naquelas que o Oswald chamou ciência de papel, como a Lógica. Logo que se falou de Euclides começaram os boatos. Chegou-se a afirmar que Barbosa Lima se inscreveria, apenas para afugentar candidatos.

Foi para Euclides da Cunha uma fase de novos tormentos. Não sendo filósofo de profissão, tinha contudo inegável cultura geral, especialmente científica, e percorrera os grandes pensadores. Inicia a revisão de conhecimentos e leituras de que nos dá conta sua correspondência da época e as anotações de alguns livros salvos.

Depois de uma prova dramática, especialmente pela posição que adotou na oral que versava sobre a “Ideia do Ser”, Euclides da Cunha sentiu-se derrotado. Não por falta de conhecimentos. Mas pela sua antimetafísica, em desacordo com a filosofia dominante. Obteve, mesmo assim, o segundo lugar. Apesar disso, foi nomeado, em 17 de junho de 1909, para exercer a cadeira. Pouco tempo, porém, permaneceu lecionando. Por questões de família, quando defendia a sua honra conjugal, foi assassinado no dia 15 de agosto do mesmo ano. Logo depois da tragédia, veio à luz o livro À Margem da História que se encontrava no prelo quando da sua morte. Livro também composto de artigos vários, traz um trabalho que seria o esboço ou um capítulo de seu projetado e malogrado Paraíso Perdido. O mesmo estilo, a mesma sensibilidade e o mesmo destemor estão presentes à publicação póstuma de Euclides da Cunha. Mostram esses capítulos como Euclides da Cunha, como escritor e homem, se encontrava no tema da realidade brasileira. Por tudo isso, usando palavras suas, foi um grande homem porque “o que apelidamos grande homem é sempre alguém que tem a ventura de transfigurar a fraqueza individual compondo-a com as forças infinitas da humanidade.”

CLÓVIS MOURA

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Grandes vultos: Euclides da Cunha - Parte 07.

 

Farias Brito

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

EUCLIDES DA CUNHA – Parte 07

Em 1907, Euclides da Cunha, com nome feito depois do êxito do seu monumental livro de estreia publica Contrastes e Confrontos, coletânea de arquivos de jornal, onde aborda diversos assuntos, desde política internacional até problemas relacionados com a realidade brasileira. Com o mesmo estilo vigoroso de Peru Versos Bolívia.

Embora sem a mesma importância de Os Sertões, mostram a grande envergadura de pensador de Euclides da Cunha e, ao mesmo tempo, a versalidade do seu espírito. Capítulos como “A Arcádia da Alemanha”, “Garimpeiros”, “Planos de Uma Cruzada”, “Solidariedade Sulamericana”, e principalmente “Um Velho Problema”, artigo onde a antecipação sociológica de Euclides da Cunha transcende a tudo quanto até aquela momento havia sido escrito no Brasil, no que diz respeito às relações entre o capital e o trabalho, bem demonstram como o vigoroso pensador de Os Sertões estava se aprimorando no trato das questões candentes, dentro de metodologias cada vez mais exatas.

Ainda em dezembro de 1907, pronunciou, em São Paulo, uma conferência: “Castro Alves e os tempos”. Nesse trabalho, algumas injustiças que Euclides da Cunha havia feito no seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras foram corrigidas. Mostra-se, nesse trabalho, o homem que confia no futuro de Brasil, nas suas possibilidades e no seu desenvolvimento como nação. Terminada a sua missão no Itamarati, vê-se novamente a braços com o problema da subsistência.

Doente, depois de levar uma vida agitada e trabalhosa, cheia de percalços e vicissitudes, de ter peregrinado por cidades do interior de São Paulo, pelo sertão baiano, pelo Amazonas, resolveu inscrever-se em um concurso para a cadeira de Letras no Colégio Pedro II.

Iria competir, entre outros, com Farias Brito, homem que tinha como cartão de visita uma vasta obra filosófica, por todos conhecido como aquele que, no Brasil, mais dominava as correntes, escolas e métodos dos filósofos europeus. Euclides da Cunha, mais conhecido como escritor de uma campanha militar, sofria intimamente a diferença. Apesar de tudo, vai à banca examinadora. As suas provas oral e escrita bem demonstram o esforço extraordinário que ele fez para, em poucos meses, suprir-se de uma cultura filosófica.

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CLÓVIS MOURA

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Grndes vultos: Euclides da Cunha - Parte 06.


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

EUCLIDES DA CUNHA – Parte 06.

Vazado em estilo pessoal, aborda problemas dos mais importantes da formação social brasileira. Apreciado como obra de arte ou como contribuição às ciências sociais, o livro até hoje é uma das obras básicas da nossa cultura. A parte narrativa, isto é, aquela que se refere aos eventos, mostra, de forma realista, como os mesmos decorreram, as vicissitudes e dificuldades de ambas as partes, sem deixar de assinalar, no entanto, que todos eram brasileiros e sem deixar de deplorar a luta fratricida.

Na profissão de engenheiro, Euclides da Cunha conheceu, ainda, outras cidades do interior paulista – São Carlos e Lorena – e parou em Santos, por algum tempo, na Comissão de Saneamento da Cidade.

O livro Os Sertões abriu todas as portas da literatura ao seu amor e o transformou em um dos nomes mais conhecidos nos meios culturais do Brasil. Foi eleito, em seguida, para o Instituto Histórico Brasileiro e para a Academia Brasileira de Letras.

A glória, porem, não lhe trouxe a estabilidade econômica. Euclides da Cunha, já célebre, escritor consagrado, era um homem pobre, que lutava desesperadamente pela subsistência. Mal podia manter a família, composta de mulher e dois filhos. Finalmente, foi aproveitado pelo Barão do Rio Branco na Comissão que iria fixar definitivamente os limites entre o Brasil e o Peru. Em dezembro de 1904, na qualidade de chefe da Comissão, Euclides da Cunha calçou as suas “botas de sete léguas” e partiu para o Acre. Era, mais uma vez, o homem que sacrificava o seu conforto e a sua situação familiar para conhecer o Brasil, os seus problemas, a sua natureza. O Amazonas e a sua população sempre o atraíram. Ainda em São José do Rio Pardo, quando escreveu o seu livro imortal, abordara o problema. Erradamente. Vê no amazonense um desfibrado, homens de “organizações tolhidas”, fruto de um clima malsinado. Corrige, porém, no seu trabalho posterior sobre o homem amazonense, o seu equívoco. Reabilita-o.

Faz, juntamente com os membros da comissão peruana, o levantamento hidrográfico do Rio Purus. Enfrentando inúmeras dificuldades, chegam às suas cabeceiras.

Em julho de 1905 está finalmente de regresso, depois de ter visto com os seus olhos de “tapuia espantadíssimo” a realidade amazonense. Projeta escrever um livro sobre o que os seus olhos viram e os seus ouvidos escutaram. Seria o “Paraíso Perdido”. Prepara, por outro lado, o relatório da viagem, ainda em Manaus, relatório que bem demonstra o zelo de Euclides da Cunha por tudo que executava. Assim é que, no dia 15 de janeiro de 1906, escrevia ao seu amigo Firmo Dutra: “Cheguei bem – encontrando todos bons. Mal te posso escrever – tais e tantos trabalhos que ainda me impõem os restos da comissão.” Logo depois, a 18 de abril, comunicava-se com José Escobar nestes termos: “Continuo ainda muito atrapalhado, apesar de já estar impresso o meu relatório, e além de atarefado, doente. Há muita coisa pior que a tuberculose que é franca – é o insidioso impaludismo larvado que a Medicina não atinge, tão vário é ele e incaracterístico.”

Permaneceu no Itamarati e foi encarregado de organizar da região limítrofe com o Peru. Mais uma vez mostrou sua dedicação à causa pública, fazendo trabalho lapidar.

Continua

CLÓVIS MOURA


quarta-feira, 23 de junho de 2021

Os Sertões.


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

EUCLIDES DA CUNHA – Parte 05.

Euclides da Cunha regressou de Canudos e foi, em 1898, dirigir a reconstrução de uma ponte na cidade paulista de São José do Rio Pardo. Nessa cidade, encontrando ambiente propício, calma, compreensão de amigos, começou a escrever e concluiu o seu livro mais importante, ponto basilar de toda a sua obra e uma das mais importantes contribuições feitas por um escritor à cultura nacional: Os Sertões.

A obra, publicada em dezembro de 1902, elevou, de chofre o seu autor a um nível dos mais distinguidos entre os escritores do Brasil.

Divide-se em três partes: “A terra”, “O Homem” e “A Luta”. Na primeira parte, o autor procura estudar o esqueleto geológico e geográfico da área do sertão, a influência do meio físico, o clima da região, a sua flora, tarefa que foi facilitada pela sua qualidade de geógrafo. Traçou as coordenadas de uma teoria geográfica que, embora atualmente superada, ainda tem os seus seguidores. No entanto, muito do que Euclides da Cunha escreveu na primeira parte do seu livro ainda resiste. Um especialista como Aroldo de Azevedo escreveu sobre a primeira parte da sua obra: “façamos, pois, rigorosa justiça a Euclides e proclamemos mais esta valiosa faceta de sua obra-prima: nos seus capítulos preliminares, nada existe que possa assemelhar-se ao sistema então geralmente aceito, de dividir a matéria naqueles clássicos e bolorentos itens: orografia, geologia, potamografia, limonografia, climatologia, riquezas naturais, etnografia… Leem-se hoje as páginas de Os Sertões, sentindo-se o mesmo bem-estar que nos proporcionam as páginas de um moderno geógrafo, se as encaramos sob o ponto de vista exclusivamente de método.”

Na segunda parte do livro, procura traçar uma visão dos nossos tipos regionais, focalizando o problema do caldeamento das diversas raças que formaram a base antropológica das diversas áreas, especialmente a sertaneja. Analisa, também, a diferenciação que se operou entre o mestiço do sertão, isolado, e o do litoral, em contato com outras raças, etnias e culturas. Intoxicado de teorias que endossavam a existência de raças superiores e inferiores, Euclides da Cunha, embora emitindo conceitos atualmente inaceitáveis, procura estabelecer, pela primeira vez, as características dos diversos tipos regionais do Brasil, sendo chamado, por isso, por Artur Ramos, um dos seus mais severos críticos, de “fundador de nossa antropologia regional”. Finalmente, a última parte do livro – “A Luta” – narra os lances da tragédia de Canudos, as diversas expedições militares que foram organizadas pelo governo da República, o fanatismo dos adeptos de Antônio Conselheiro, líder dos camponeses sublevados e a vitória das forças legais.

Continua

CLÓVIS MOURA

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Grandes vultos: Euclides da Cunha - Parte 04.

 

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

EUCLIDES DA CUNHA – Parte 04. 

Na série de correspondência que enviou podemos notar a transformação do seu pensamento em contato com os problemas e a realidade da região conflagrada. Os artigos vão adquirindo cada vez tons mais sombrios, à medida que Euclides da Cunha chega ao local da revolta e toma contato com a realidade da vida sertaneja. Ante o desfilar macabro dos prisioneiros que seriam depois degolados, começa a ver e admirar o heroísmo dos jagunços, afirmando que “custa a compreender a energia soberana que os alevanta por tal modo acima das imposições mais rudes da matéria”; percorre as casas de Canudos, já nas mãos das tropas legais, e se estarrece ao ver a miséria em que vivem os nossos irmãos, descrevendo-a com a força que somente a revolta produz: “compreende-se que haja povos vivendo ainda, felizes e rudes nas anfractuosidades fundas das rochas; que o caraíba ferocíssimo e aventureiro se agasalhe bem nas tubanas de paredes feitas de sebes entrelaçadas de trepadeiras agrestes e tetos de folhas de palmeiras ou caucásios nas suas burcas cobertas de couro – mas não se compreende a vida dentro dessas furnas sem ar, tendo por única abertura, às vezes, a porta estreita da entrada e cobertas por um teto maciço e impermeável de argila sobre folhas de icó!”

Em seguida, descreve a mobília que é, aliás, o mobiliário clássico das casas camponesas: “um banco grande e grosseiro (uma tábua sobre quatro pés ou torneados); dois ou três banquinhos; redes de cruá; dois ou três baús de cedro de três palmos por dois. É toda a mobília. Não há camas; não há mesas; de modo geral…”

Finalmente, já em correspondência datada de primeiro de outubro, confessa: “sejamos justos – há alguma coisa de grande nessa coragem estoica e incoercível, no heroísmo soberano e forte dos nossos rudes patrícios transviados e cada vez mais acredito que a mais bela vitória, a conquista real, consistirá no incorporá-los, amanhã, breve, definitivamente, à nossa existência política.”

Continua

CLÓVIS MOURA

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Grandes vultos: Euclides da Cunha - Parte 03.


Antônio Conselheiro

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

EUCLIDES DA CUNHA – Parte 03.

Em 1884, finalmente, prestou exame na Escola Politécnica, tendo se matriculado nesse estabelecimento no dia 27 de março de 1885. Mas, um ano depois, Euclides da Cunha, por motivos que ainda não foram esclarecidos, transfere-se para a Escola Militar.

Dois anos depois é o incidente com o Ministro da Guerra que já relatamos e que o incompatibiliza, definitivamente, com alguns setores do Exército.

Na Escola Militar, Euclides da Cunha encontrou, novamente, como mestre, a Benjamim Constant, sofrendo a influência do positivismo, principalmente no seu aspecto político. Passou a militar nas hostes republicanas.

Em consequência da rebeldia que demonstrou na visita do Ministro da Guerra foi excluído a bem da disciplina.

Vendo-se livre da farda mas, ao mesmo tempo, em situação econômica precária, Euclides da Cunha ingressa na imprensa. Colaborou na Província de São Paulo com o seu pseudônimo de Proudhon, mantendo uma seção intitulada “Questões Sociais”. No Rio de Janeiro, para onde se transferiu, ingressou na Escola Politécnica, ali presenciando a proclamação da República, ele, um republicano desde a adolescência. O seu gesto na Escola Militar, havia criado uma aura de heroísmo e sacrifício em torno da sua pessoa. Conseguiu, logo depois, a sua reintegração no Exército como alferes-aluno, cursando, em seguida, a Escola Superior de Guerra. Pratica, durante um ano, engenharia em São Paulo e Caçapava. De novo no Rio de Janeiro, Euclides da Cunha foi surpreendido com a revolta da Armada de 1893, tomando abertamente posição ao lado do governo. Participa da defesa militar da cidade, nas trincheiras da saúde.

Não se adaptando, contudo, à vida militar, Euclides da Cunha abandonou definitivamente o Exército em julho de 1896, dedicando-se à engenharia civil. Por outro lado, continua no jornalismo, escrevendo artigos, todos eles, palpitantes temas do momento.

Quando, em 1896, irrompeu, no interior do Estado da Bahia, o movimento dos fanáticos liderados por Antônio Conselheiro, ele era colaborador de O Estado de São Paulo, e foi escolhido como correspondente de guerra, seguindo, por via marítima, para o teatro das operações. Dominado pela ideologia republicana, sendo um dos que lutaram para que ela fosse implantada, Euclides da Cunha seguiu certo de que iria assistir a uma batalha pela defesa dos princípios pelos quais se sacrificara na adolescência. No entanto, ao tomar contato com as populações sertanejas, ao participar das lutas e ouvir testemunhas, foi, em sucessivas reportagens, tomando a defesa daqueles que ele denominou de “nossos rudes patrícios transviados”.

Continua

CLÓVIS MOURA


quarta-feira, 12 de maio de 2021

Grandes vultos: Euclides da Cunha - Parte 02.

   

Gonçalves Dias

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

EUCLIDES DA CUNHA – Parte 02.

Terminou o curso de humanidades no Colégio Aquino, onde teve por mestre Benjamim Constant, Personalidade que iria influenciar poderosamente a formação do seu pensamento. Além de Benjamim Constant, foram mestres de Euclides da Cunha, nesse tempo, Teófilo das Neves Leão e João Pedro de Aquino. Nesse estabelecimento fundou um pequeno jornal: O Democrata, periódico bimensal cujo primeiro número apareceu no início de 1884. O grupo que organizara o jornal era composto de Eurico Jaci Monteiro, Natan Sérvio Ferreira, Reinaldo Jaime Maia, Custódio Enes Belchior, Carvalho Guimarães, Virgílio las Casas dos Santos e Manoel Francisco de Azevedo Júnior.

Ao tempo de O Democrata andava dominado pela poesia, especialmente a de Gonçalves Dias e a de Álvares de Azevedo. Além desses poetas sofria a influência de Fagundes Varela que sobressaía entre os demais. Apesar de adolescente, já abordava assuntos transcendentais para a vida nacional, escrevendo, segundo o depoimento de Francisco Venâncio Filho, “crônica vibrante sobre a abolição no Ceará”.

Mas estampou principalmente, no órgão juvenil, produções em versos que foram por ele reunidas depois com o título de Andas, livro que se conserva inédito no arquivo do Grêmio Euclides da Cunha. Dizia então:


“Não tenho ainda vinte anos

E sou um velho poeta. A dor e os desenganos

Sagraram-me mui cedo a minha juventude

É como uma manhã de Londres fria e rude.”


Em um soneto dedicado a Marat, Euclides da Cunha versejava:


Foi a alma cruel das barricadas!…

Misto de luz e lama!… Se ele ria

As púrpuras gelavam-se e rangia

Mais de um trono se dava gargalhadas!…


Fanático da luz… porém seguia

Do crime as torves, lívidas pisadas.

Armava, à noite, aos corações ciladas,

Batia o despotismo à luz do dia.


No seu cérebro tremente negrejavam

Os planos mais cruéis e cintilavam

As ideias mais bravas e brilhantes.

 

Há muito que um punhal gelou-lhe o seio…

Passou… Deixou na história cheio

De lágrimas e luzes ofuscantes…


Continua


CLÓVIS MOURA


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