quarta-feira, 25 de maio de 2016

Grandes vultos: Senador Feijó - Parte 01.

Senador Feijó

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES

SENADOR FEIJÓ – PARTE 01

(1784 1843)

Não tenho embocadura para Rei Constitucional”

O senador Feijó, Padre Diogo Antônio Feijó, Regente do Império, é uma das mais impressionantes figuras de nossa História, na qual deixou sua marca em virtude de sua forte personalidade.

Filho de pais incógnitos, foi recolhido e educado pelos seus pais adotivos, Félix Antônio Feijó e sua mulher Escolástica Maria de Jesus, que o encontraram, à porta de sua casa em S. Paulo, por volta de meados de 1784.

Como acontecia frequentemente naquela época, em casos semelhantes, foi enviado a um seminário onde se ordenou padre em 1809, tornando-se a seguir professor de humanidades, nas cidades de Campinas e Itu, onde se fixou por muitos anos. Mas o seu temperamento inquieto e inconformado o levou a interessar-se por outros problemas, sobretudo os políticos.

Em 1821 já era Deputado às Cortes de Lisboa. Tratava-se de um período de grandes agitações tanto em Portugal como no Brasil, onde o problema da Independência nacional já havia sido colocado e era objeto de grandes debates. Em Lisboa, juntou-se aos demais brasileiros, em defesa de uma “possível independência do Brasil”, recusando a assinar a nova Constituição portuguesa.

De volta ao Brasil no fim do ano de 1822, já proclamada a nossa independência de Portugal, Feijó lança-se a uma nova campanha. Observando a situação do clero no Brasil, que vivia, segundo seu testemunho “em permanente escândalo”, por haver grande número de sacerdotes vivendo abertamente em concubinato, decidiu propor à Câmara a suspensão do celibato dos padres. “Enfim, senhores, disse ele na Câmara, em 10 de outubro de 1823, ao defender o seu projeto, a história conserva o triste quadro de escândalos, deboches, adultérios e mil outros crimes que desonram a santidade do ministério eclesiástico, ao ponto que o clérigo, que parecia continente, era, por isso mesmo, suspeito dos piores crimes”... “m sido tão públicos e tão frequentes os escândalos dos padres nesta parte, que os protestantes, maliciosamente têm afirmado que o papa mais quer ver o seu clero concubinado que casado.

Tentou provar que a Câmara tinha autoridade para votar a suspensão do celibato obrigatório, permitindo aos padres que o quisessem, contrair matrimônio. Seu projeto como seria de esperar, não teve seguimento.

Foi deputado até a abdicação do imperador, a 7 de abril de 1831. A época era de grandes agitações, contra e a favor do imperador. A Constituição, em oposição a Pedro I, era de certo modo a causa dessas agitações que, entretanto, se originavam principalmente do descontentamento popular, pois o povo desconfiava estar o imperador tramando a volta do Brasil ao império português.

Pressionado por essas agitações e, ainda mais, preocupado com a sorte de sua filha Maria da Glória, para a qual queria a coroa de Portugal, disputada, com a morte de D. João, pelo seu irmão D. Miguel, decide o imperador abdicar em favor de seu filho D. Pedro II que então tinha apenas 5 anos. Aceita a abdicação, decide o Senado nomear uma Regência Trina, composta por três eminentes nomes da política, para governar o País em nome do Imperador menino. E Feijó é convidado para ocupar o cargo de Ministro da Justiça.

Sua tarefa era árdua, pois na capital do Império, assim como nas províncias, era grande e extremado o descontentamento das populações, já agora divididas em dois grupos, além daqueles que pretendiam a pacificação do País e os que se mostravam indiferentes à sorte do Império: os caramurus, desejando a volta do Imperador, os “exaltados” ou republicanos, que se manifestavam contra a Regência.

Feijó teve de usar de “mão dura” para deter essa agitações e prender os responsáveis entre os quais figuravam eminentes nomes do Império, tais como Antônio Carlos, irmão de José Bonifácio.

Foi seu principal instrumento, para acabar com as agitações e a desordem, o então major Limae Silva, o futuro “pacificador do Império”, o uque de Caxias. 
O Ministro da Justiça considerava-se, sobretudo, o defensor da legalidade. E usou de todos os meios para implantar a ordem no País. Não hesitou em por um ato pessoal extinguir as “cartas de seguro”, espécie de “habeas corpus” da época, que livrava o seu portador de ser preso. Essa “cartas de seguro” dificultavam a ação da sua polícia, quer para prender os conspiradores quer para deter as sublevações e os insurrectos.

Leôncio Basbaum 
continua
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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Grandes vultos: José Bonifácio - Parte 03.

Grito de Independência

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES
JOSÉ BONIFÁCIO – PARTE 03
Filho provável de D. João VI, D. Pedro é um moço ardido, inflamado, exaltado, de vinte e três anos apenas. Diante de José Bonifácio sente-se mais filho do que rei. Visita-o em sua casa com a mulher, a culta, inteligente, Leopoldina. E isso passa excitar invejas, conforme sempre sucede.
A viagem a São Paulo, realiza-a depois da volta de Minas, por instigação do seu ministro, que não lhe perdoa a inanição no Rio de Janeiro. Enquanto por lá ainda, chegam decretos vindos de Lisboa que visam, sobretudo, José Bonifácio – anulando, sumariamente, todos os atos do governo que ele preside. Custa a crer na cegueira do parlamento português desse tempo! Como poderia tal assembleia, com lei ou com ordens escritas, destruir o prestígio daquele homem intrépido e onímodo, que tinha na mão todos os fios da trama da independência do Brasil? Habilmente, ele se alia a D. Leopoldina e escreve a D. Pedro jurando que de Portugal o humilham: “não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V. A. quanto antes e decida-se; porque irresoluções e medidas de água morna, à vista desse contrário (inimigo) que não nos poupa, para nada servem – e um momento perdido é uma desgraça”.
Instiga-o a rebelar-se, veladamente, exproba-lhe as hesitações, os titubeios, frequentes no seu animo de nervoso, ora ebuliente, ora deprimido – sempre em desequilíbrio emocional. O príncipe quer então mostrar-se inabalável, resoluto, e, às margens do Ipiranga, lança o grito que José Bonifácio lhe ensinara “Independência ou Morte” – nome de uma das alas do “Apostolado”, espécie de Loja Maçônica (sem ser maçônica) que ele, ministro, fundara e onde usa o pseudônimo de Tibiriçá. Ali, D. Pedro é Rômulo. Neste teatro da vida, as grandes causas não vingam sem que o agente que as mova seja um pouco ator e libretista.
Rômulo grita “Independência ou Morte”. Tibiriçá aplaude-o e finge-se espantado. Como tivera ele, D. Pedro, tanta coragem? Como se mostra firme, tão decidido? Recua habilmente para os bastidores e apresenta à plateia o Príncipe declarando-o o único fator da libertação nacional. Ele, Andrada? Nada fizera. Cumpria ordens. “Nasci para homem de letras e roceiro”.
D. Pedro abraçou-o com ternura. Chama-lhe “o velho” entre amigos. Com tal expressão o coloca, definitivamente, na posição de pai, e isso constituiu um mal, porque a revolta contra o pai era, nele, instintiva, incoercível.
Descrever as lutas que se travaram entre os Andradas e os grupos adversários seria longo. Impossível – diz Camões – confinar a água do mar num pequeno vaso. Neste resumo atropelado da vida profícua do Patriarca da nossa Independência não posso, porém, omitir o nome de uma das amantes de D. Pedro, Domitila de Castro. Trouxe-a de São Paulo. Imediatamente José Bonifácio lhe condena o ato. Certo, compreendia e desculpava amores extraconjugais. Mas a instalação daquela prostituta, como abertamente lhe chama, ao lado do paço de São Cristóvão, ofende a Imperatriz Leopoldina, sua amiga, e é, para ele mesmo, José Bonifácio, um desprimor. Não! Não se vergaria a procurar D. Pedro em casa dela. Nem a mandá-lo chamar por emissário. D. Pedro ouve. No fundo, sabe que é certo. Ela não tinha nada e amontoa grande fortuna. Como?
A causa da escravatura e a reforma agrária – que nunca pode levar a cabo – criam-lhe inimigos mortais. Increpam-no de conspirador contra a propriedade privada – o que hoje equivaleria à imputação de “Esquerdista perigoso”. Ele defende-se argumentando: “Nos vos iludais senhores! A propriedade foi sancionada para o bem de todos; e qual o bem que tira o escravo de perder todos os seus direitos naturais, e de se tornar de pessoa a coisa, na frase dos jurisconsultos? Não é, pois, o direito de propriedade que querem defender: é o direito da força. Se a lei deve defender a propriedade, muito mais deve defender a liberdade pessoal dos homens, que não pode ser propriedade de ninguém”. (Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil Sobre a Escravatura. Firmin Didot, Paris, 1825). Que adiantam para o progresso do Brasil, as sesmarias incultas?
Exilado da sua terra natal, para a França, a 20 de novembro de 1823, pobre, com uma pensão ridícula de cem mil réis semanais, Chamberlain, cônsul da Inglaterra, fica depositário dos seus papéis e livros. Lorde Cochrane, que contratara para a defesa naval do Brasil, vem apresentando-lhe os seus respeitos, na companhia do bravo João Taylor. Sua irma, D. Maria Flora Ribeiro de Andrada, solidária com ele, abandona o cargo de Camareira mor da Imperatriz e comparece para seguir, voluntariamente, rumo ao exilo. A Martim Francisco e a Antônio Carlos atingia o decreto de banimento. D. Narcisa O'Leary não se afasta do seu “querido Andrada” em transe de tanta dor e leva consigo a Narcisinha já moça. Diante da tempestade de ódios dos seus adversários, os Andradas, como sempre, se revelam fortes, destemerosos e unidos. Não podem os políticos parlapatões perdoar ao Patriarca a imensa cultura, que assombrou Humboldt, o manejo correto de várias línguas mortas e vivas, a altitude mental em que se libra. E sobretudo os ardores reformistas. Crucificam-no.
Simplesmente para ferir José Bonifácio, D. Pedro investe Domitila de Castro no título de Viscondessa de Santos. Eleva-a depois a Marquesa. “Quem sonharia – brada do exílio o Patriarca – que a michela (meretriz) Domitila seria viscondessa da pátria dos Andradas? Que insulto desmiolado!”
Nunca mais voltaria a Santos em dias de sua vida! Era, a seu ver, terra profana. Atribui todos esses destemperos ao gênio atrabiliário do “rapazinho” (o Imperador) a quem chama Pedro Malasartes.
Desembarca de volta ao Rio no dia 23 de julho de 1829 e não vai ao palácio. Encontram-se mais tarde, o Imperador e ele – o Imperador comovido, arrependido ele, generoso, vendo acima de tudo o Brasil e não querendo mal ao rapazinho que, dois anos mais tarde, forçado a retirar-se do país e a abdicar, o nomeia tutor de seus filhos com um decreto que o hora:
“Tendo maduramente refletido sobre a posição política desse Império, conhecendo quando se faz necessária a minha abdicação e não desejando nada neste mundo senão glória para mim e felicidade para a minha pátria: hei por bem, usando do direito que a Constituição me concede no capítulo 5º, artigo 130, nomear, como por este meu imperial decreto nomeio, tutor de meus amados e prezados filhos ao muito probo, honrado e patriótico cidadão José Bonifácio de Andrada e Silva, meu verdadeiro amigo”. Temendo que José Bonifácio recuse o encargo, como recusara o título de Marquês em 1822, além de outras muitas coisas, escreve-lhe insistente:
Amicus certus in re incerta cernitur. É chegada a ocasião de me dar mais uma prova de amizade, tomando conta da educação de meu amado e prezado filho, seu imperador. Eu delego em tao patriótico cidadão a tutoria do meu querido filho, e espero que, educando naqueles sentimentos de honra e patriotismo com que devem ser educados todos os soberanos para serem dignos de reinar, ele venha um dia fazer a fortuna do Brasil, de que me retiro saudoso. Eu espero que me faça este obséquio, acreditando que, a não mo fazer, eu viverei sempre atormentado. Seu amigo constante.
Pedro”.
José Bonifácio aceitou prebenda de tutor de D. Pedro II e suas irmãs. O menino tinha pouco mais de cinco anos. Chegando ao paço, o Patriarca ergueu-o nos braços e beijou-o, com uma frase de carinho:”meu imperador e meu filho!”
Não precisava de procurar parecer bom para as crianças porque o era de seu natural. Sempre risonho, sem a composta gravidade dos hipócritas, continuava moço em espírito. Ria. Brincava. Contava histórias.
Não me alonguei narrando as lutas que se seguiram contra José Bonifácio, até que por medo e inveja o despojaram do cargo de tutor (decreto de 14 de dezembro de 1833). Embora tivesse direito a vencimentos de ministro de Estado, nada recebia. Continuava com a mesma alma de pobre dos dias de mocidade.
Quando lhe levaram ao palácio de São Cristóvão o ofício do Ministro do Império que o destituía prendendo-o, ele leu-o sossegado e declarou-o legal. Se o queriam apear, comparecessem os regentes, “dois camelos e um velhaco” (Aurora Fluminense) e então ele sairia. Um Andrada não atende a ofícios remetidos por ministros ou servos de ministros. Em todo caso, se tentassem humilhá-lo, resistiria à bala.
Deve ter causado espanto ao menino que depois foi o grande D. Pedro II, aquela rara firmeza em homem tão velho e tão curtido de amarguras. Cerca de 300 soldados cercam o paço – 120 de cavalaria e resto de infantaria. Ninguém se atreve, no entanto, a aproximar-se do destemido Andrada que, firme e sozinho, jura não se render. La commedia è finita. Quem avançar, que faça primeiro o ato de contrição. Afinal chega mesmo um Regente, acompanhando o novo tutor. Dois generais, Joaquim José de Lima e Silva e Raimundo José da Cunha Matos, exortam-no a que se entregue.
– Muito bem. Exibam-me, então, agora, os juízes de paz, a ordem de prisão emanada da regência.
Exibida a ordem, concorda em sair. Vendo-o cruzar o portão, a tropa, assombrada, apresenta-lhe armas. E lá vai ele, o glorioso vencido, para a sua casa em Paquetá. Concedem-lhe a ilha inteira por homenagem.
Em carta a D. Mariana de Verna Magalhães, dama do paço com quem José Bonifácio se desaviera, escreve o Ministro Aureliano Coutinho: “Parabéns, minha senhora; custou, mas demos com o colosso em terra”.
Era o que eles pensavam, os seus inimigos! O colosso continua de pé. Ninguém o derrubará nos séculos vindouros. As duas questões sociais por que se bateu – a abolição da escravatura e a reforma agrária – além da causa sagrada da Independência da Pátria, iluminam-lhe a memória e para sempre o exaltam no culto da posteridade.
Gondin da Fonseca 
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quarta-feira, 4 de maio de 2016

Grandes vultos: José Bonifácio - Parte 02.


D. Pedro I


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES
JOSÉ BONIFÁCIO – PARTE 02
Durante trinta e sete anos de ausência, José Bonifácio não esquecera jamais a sua Pátria: Santos. Para lá voou. (Naqueles tempos empregava-se a palavra Pátria para indicar o país que pertencia e, de modo restrito, particular, a terra do nascimento.) A mãe ainda era viva; o pai há muito falecera. Antônio Carlos, seu irmão, enovelara-se na conspiração pernambucana de 1817 e estava preso. Fomentavam ideias separatistas, mas os exaltados queriam a república, a exemplo do desvairado Cipriano José Barata de Almeida, que afinal morreu na Paraíba, segundo noticia publicada pelo “Jornal do Comércio”, do Rio, de 1º de setembro de 1838, contrito e arrependido, depois de desertar “das fileiras dos agitadores liberais, de que sempre se mostrara campeão, para ser um dos mais acérrimos defensores da ordem e da integridade do império”.
Em Santos e, a seguir, em São Paulo, José Bonifácio viu bem que a independência do Brasil havia de partir dali e não do Rio, onde o grupo de Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa roncava muito mas agia pouco. “O muito roncar antes da ocasião – advertia o Padre Antônio Vieira no célebre sermão aos peixes – é sinal de dormir nela.”
Entre parêntesis, eu considero Ledo o maior braço, talvez, da independência, não pelo que fez, mas pelo que obrigou a José Bonifácio a fazer, opondo-se lhe, caluniando-o, maquinando tramas contra ele. José Bonifácio agia melhor quando em combate, instigado por adversários. Enfrentava fosse quem fosse. Não provocava duelos mas também não os temia – e vários morreram enfrentando-o. Nem Ledo, nem o Cônego Januário da Cunha Barbosa, nem José Clemente Pereira, seus inimigos, jamais caíram na asneira de o desafiar: era enterro na certa.
D. João VI conhecia-o bem e é de crer que o recomendasse a D. Pedro quando navegou para Portugal em 1821. Encontrava-se ele em São Paulo, nessa ocasião, participando da junta de eleitores, para que fora escolhido, com seu irmão Martin Francisco, pelas paróquias de Santos e São Vicente. Em rápida manobra, domina a situação. Veem os seus companheiros que está ali um chefe e – logo o acatam, aclamando o nome de João Carlos Augusto Oysenhausen, que ele indica (e com quem logo irá brigar) para o cargo de primeiro governador livre de São Paulo. Segue-o o povo nas ruas. Fará o que ele quiser. O príncipe D. Pedro escreve ao pai que a José Bonifácio “se deve a tranquilidade atual da província de São Paulo”. Antônio Carlos, seu irmão, saíra da cadeia. Martin Francisco ficaria de sentinela a Oysenhausen.
A ideia de José Bonifácio era a da união luso-brasileira, absolutamente possível e absolutamente sensata ainda hoje. Queria uma comunidade luso-brasileira (de países autônomos) que incluísse evidentemente as colônias da África e não admitisse a escravidão dos pretos. Trabalho livre. Desejava, também, o que hoje se convencionou chamar “reforma agrária”: a abolição de sesmarias incultas e a distribuição de terras aos que as não possuíssem e pretendessem cultivá-las. Tais ideias haviam de levantar tempestades de protestos das chamadas “classes conservadoras” a que se ligavam Gonçalves Ledo, Januário, José Clemente, Aureliano Coutinho, Sapucaí e outros.
Criado no respeito à Monarquia e, na realidade, monarquista por tradição de mais de oito séculos, não admitia os republicanos e tê-los-iam sumariamente liquidado se acaso se erguessem em revolta. Preocupava-o a união do Brasil, e essa, pensava, só podia realizar-se com São Paulo abrindo brecha na vanguarda.
Temos de atuar em conjunto – avisava aos seus sequazes. São Paulo está conosco. E devem estar também conosco as províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso, criadas por paulistas e habitadas por “filhos e netos de paulistas”.
Quando D. João VI chega a Portugal e as cortes de Lisboa dissolvem a União Luso-Brasileira com a lei de 24 de abril de 1821 – reforçada pouco depois pelos decretos de 29 de setembro – José Bonifácio sente-se ludibriado, trapaceado, vítima de um imenso conto do vigário. Então ergue-se para a luta e, pela primeira vez, Portugal vê na frente, a arrostá-lo, um político de gênio capaz de emancipar o Brasil.
Ao lado de José Bonifácio e contra os deputados colonialistas de Lisboa, congrega-se, então, a maioria dos portugueses no Brasil. Aquele movimento reacionário da metrópole era um erro! Politicamente – no dizer de Talleyrand – um erro traz mais funestas consequências do que um crime. O regresso de D. Pedro a Lisboa e a descentralização do governo do Brasil só não pareceriam medidas inconcebíveis, utópicas, a quem vivesse alheio à realidade. De São Paulo escreve José Bonifácio ao Príncipe Regente:
“É impossível que os habitantes do Brasil que forem honrados e se prezarem de ser homens – e mormente os paulistas – possam consentir em tais absurdos e despotismos... V. A. Real deve ficar no Brasil quaisquer que sejam os projetos das Cortes Constituintes, não só para nosso bem geral, mas até para a independência e prosperidade futura do mesmo Portugal. Se V. A. Real estiver (o nome não é crível) pelo deslumbrado e indecoroso decreto de 29 de setembro, além de perder para o Mundo a dignidade de homem e de príncipe, tornando-se escravo de um pequeno número de desorganizadores, terá que responder, perante o céu, do rio de sangue que decerto vai correr pelo Brasil...”
Não era carta de áulico amável mas de homem decidido a vestir roupa de briga e partir para o entrevero. D. Pedro, porém, gostou dela. E tanto que a mandou copiar e divulgar.
Como todo paulista (ainda hoje), José Bonifácio, apesar de sábio, era, no fundo, caipira (“Nasci para homem de letras e roceiro”). Amava o seu chão e estava quase sempre disposto a contemporizar para não entrar em contendas. Uma vez metido nelas, porém, não mais saía. Ele e seus dois irmãos (Antônio Carlos e Martim Francisco) impunham-se entre os paulistas como pessoas instruídas e de alto nascimento. Mas o chefe da família era José Bonifácio. De São Paulo também. Quem, na cidade, ou em qualquer parte da província, duvidasse de tal chefia, começava logo apanhando provisoriamente uma surra. Seus adeptos encarregavam-se do serviço.
Em questões de Mineralogia dominava pelo saber extensíssimo, pelos conhecimentos exatos que adquirira da matéria. D. João VI, que fazia de José Bonifácio o melhor conceito, mandou-o em 1820 visitar a fábrica de ferro de Ipanema, em Sorocaba, e o parecer que redigiu, então, é ainda hoje impressionante. Acusa o mestre de forjas Lourenço Huttgren e todos os que ali se encontram (Frederico Luís Guilherme de Varnhagen, pai do futuro historiador, e os demais) de nada saberem sobre manipulação do ferro. “Hedberg, em vez de estabelecer fornos altos, contentou-se de construir quatro forninhos”. Essa arrojadíssima ideia de construir fornos altos em Sorocaba, em 1820, importando embora carvão, que na época era baratíssimo, revela o homem de gênio. Com ferro em abundância teríamos, desde então, máquina em abundância e ser-nos-ia não apenas possível, mas indispensável, abolir o cativeiro dos pretos.
O emprego de escravos na fábrica de Ipanema irritou José Bonifácio. Tudo ali lhe pareceu desmantelo, ignorância e roubo. Tornava-se indispensável “por um freio forte a tantos abusos e ladroeiras como é inegável que tem havido neste belo mas malfadado estabelecimento”.
Acusando em relatório o pai de Varnhagen de inepto e ladrão, disse-lhe provavelmente na cara conforme o seu liso, honrado costume. E isso explica as restrições do filho – que nunca foi historiador, mas simples cronista – ao seu papel grandioso, único, nos sucessos da Independência. Aos Andradas – escreve, entretanto, John Armitage – devem “o Brasil a Independência e D. Pedro a coroa”.
Chegado José Bonifácio ao Rio em janeiro de 1822, logo D. Pedro consegue que ele aceite a pasta de ministro do Reino e dos Estrangeiros, isto é – ministro do Interior e do Exterior – o que equivale a uma ditadura de fato. José Bonifácio exerce-a duramente, sem titubear, marchando firme, em linha reta, apoiado cordialmente pela princesa Leopoldina, moça instruidíssima, e pelo Príncipe, cujos instintos de mandonismo ela e ele não cessam de brecar. Logo conquista para a sua causa os representantes da Áustria e da Inglaterra, e não perde tempo: a 21 de janeiro ordena ao Chanceler-mor (Ministro da Justiça) que não publique lei alguma vinda de Portugal sem primeiro submeter à aprovação do Príncipe Regente (dele); nomeia um cônsul brasileiro para Londres declarando ao gabinete inglês que só tal funcionário poderá daí por diante liberar navios que se destinem ao Brasil; envia emissários às províncias do Norte, a fim de as congregar para a causa da Independência; avisa que terão de sujeitar-se à regência de D. Pedro, só a ela, e não a ordens que recebam de Lisboa; alicia conspiradores em Pernambuco, no Maranhão, no Rio Grande do Norte, na Bahia, no Pará, a fim de rebelarem, na hora exata, contra a metrópole, que o ludibriou a ele, rasgando o acordo do Reino Unido de Portugal e Brasil; empossa funcionários seus em todas as províncias, reorganiza, por intermédio de Martim Francisco, seu mano querido, o Erário Público, entregando-lhe o Ministério da Fazenda a 4 de julho; forma um Exército novo e contrata, para a obra de construção da Marinha de Guerra, Lord Cochrane, aventureiro intrépido, de caráter seguro. Suas horas de labor aumentam e seus cansados olhos tudo enxergam. Aconselha D. Pedro. Vigia-o e impede-o de agir precipitadamente. “Recebi a sua carta – escreve-lhe o Príncipe – e nela há judiciosas reflexões, as quais eu aprovo muito e agradeço; e digo que se todos os príncipes que quisessem obrar precipitadamente (assim como pelo Diabo eu ia fazendo) tivessem um amigo como eu me prezo de ter, eles nunca se deslumbrariam e a sua glória seria multiplicada todos os dias, graças a Deus que tal me concedeu. Logo quando passar por sua casa entrarei para lhe agradecer a franqueza que tem com este seu amo que cada dia é mais seu amigo”.
Trabalha intensamente, dando ao sono poucas horas. Induz o príncipe a conquistar as boas graças dos povos de Minas e de São Paulo. Tinha de viajar. O Brasil não é o Rio de Janeiro. D. Pedro conforma-se. Vai a Minas – mas não antes que José Bonifácio ali lhe prepare carinhosa recepção.
Gondin da Fonseca
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quarta-feira, 27 de abril de 2016

Grandes vultos: José Bonifácio - Parte 01.

 


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES
JOSÉ BONIFÁCIO – PARTE 01
(1763-1838)
A sã política é feita da Moral e da Razão”
A maior dificuldade que se me apresenta nesta biografia é condensá-la em poucas páginas. Exaustivo trabalho de síntese. Conforme disse Luís de Camões no seu mais admirável poema lírico, não se pode confinar a água do mar num pequeno vaso (Canção X). Ora, José Bonifácio é água do mar – e mar tempestuoso.
Teve o Brasil quatro estadistas peregrinos nos tempos modernos: José Bonifácio, D. Pedro II, Floriano Peixoto e Getúlio Vargas. De todos o maior foi José Bonifácio.
Tão grandes se revelaram esses quatro estadistas que, decorridos longos anos após a morte dos três primeiros (Getúlio é de ontem), ainda encontram detratores furiosos, que os não admitem, que os insultam, que os negam. Só criaturas excepcionais, muito acima da craveira dos homens de mérito vulgar, acendem paixões tão fundas e, aparentemente, tão inexplicáveis.
O Patriarca da Independência nasceu em Santos no dia 13 de junho de 1773 e ali o batizaram como José Antônio. Antônio, por ser dia do santo – o grande taumaturgo português, braço direito de São Francisco de Assis. Logo lhe mudaram, porém, o sobrenome para Bonifácio: o pai era Bonifácio, um tio era Bonifácio, outros Bonifácios existiam na família – e Santo Antônio não iria brigar por tão pouco. Diga-se, já, que faleceu em Niterói, a 6 de abril de 1838. Viveu, portanto 75 anos.
Foram seus pais Bonifácio José de Andrada e D. Maria Bárbara da Silva, gente de teres, de cultura e de família nobre. O avô de José Bonifácio, José Ribeiro de Andrada, chegado ao Brasil nos fins do século XVII, descendia de antigos fidalgos de entre Homem e Cávado – dois rios do norte de Portugal muito citados em costaneiras genealógicas e nos romances de Camilo Castelo Branco. Talvez que a melhor nobreza do Minho e de Trás-os-Montes provenha dali.
Por volta de 1763-1780, Santos era um lugarejo pobre, sem importância. Não teria cinco ruas transitáveis. Cinco? Três! Uns dois mil habitantes, no máximo. O movimento do porto era diminuto.
José Bonifácio de Andrada e Silva aprendeu com o pai, com os tios, e partiu para São Paulo aos 16 anos. Já então cometia sonetos e amava. Afastados do Brasil os jesuítas por ordem do Marques de Pombal, os estudos secundários e superiores ficaram ao desleixo mas, assim mesmo, o rapaz foi atamancando os preparatórios para a Universidade de Coimbra e bateu-se para Portugal onde, depois de prestar exame no Pátio, matriculou-se na Faculdade de Direito a 30 de outubro de 1783. Só regressaria ao Brasil em agosto de 1819. Admitindo-se que haja embarcado em 1782 (talvez antes) e considerando-se o exílio de quase seis anos que sofreu, de 20 de novembro de 1823 (data de sua partida do Rio de Janeiro) a 23 de julho de 1829 (data da chegada), vemos que José Bonifácio, embora falecido aos 75 anos, só viveu cerca de 33 anoa no Brasil. Tantos quantos Jesus Cristo. Se não foi como Jesus, crucificados pelos seus conterrâneos (que lhe devem a Independência e a União Nacional numa época de agitação e incertezas) pouco na realidade faltou para isso. Ainda há alguns anos tive de atirar pela janela afora o livro de um medíocre pimpolho do Itamarati, Heitor Lira, que em sua História de D. Pedro II (Col. Brasiliana, São Paulo) articula contra José Bonifácio as inépcias vomitadas por seus inimigos: Januário da Cunha Barbosa, Gonçalves Ledo, Marquês de Olinda, Marques de Sapucaí, Varnhagen, Calógeras, Euclides da Cunha, etc. Chega a acusá-lo de prevaricador, quase de ladrão: “é hoje sabido que José Bonifácio só consentiu no movimento pela Independência depois que de Portugal lhe suspenderam o pagamento dos empregos que desfrutava sem exercer.” Isto é uma infâmia. Na realidade, em Portugal, José Bonifácio ocupou vários empregos simultaneamente. Entretanto, recebia apenas os magros proventos de inspetor das minas de carvão, professor da Universidade de Coimbra e talvez de mais outro cargo – mas bagatelas que mal lhe davam para viver. Não queria, aliás, ser professor da Universidade. Forçavam-no a aceitar lugares disto e daquilo porque era o maior, decididamente o maior. Inteligentíssimo, cultíssimo, falando e escrevendo correntemente o latim, o grego, o francês, o inglês e o alemão, o Duque de Lafões integrou-o na Academia das Ciências mal o viu formado em Filosofia e Leis. Comissionou-o em seguida o governo de Lisboa para correr a Europa em companhia de Manuel Ferreira Câmara Bethencourt e Sá ( brasileiro) e Joaquim Pedro Fragoso a fim de “adquirirem por meio de viagens literárias e explorações filosóficas os conhecimentos mais perfeitos da Mineralogia e mais partes da Filosofia e História Natural”.
José Bonifácio partiu em junho de 1790 e regressou em setembro de 1800. O dinheiro que lhe pagavam era mesquinho mas os conhecimentos que adquiriu, inestimáveis. Se em Portugal frequentava os meios palacianos, a isso o compeliam a posição, a cultura e o nascimento. Aparentava-se com a maior nobreza do reino – os Linhares, os Bobadela Freire de Andrada, os Marqueses de Montebelo e toda a descendência dos antigos ricos-homens do Minho e de Trás-os-Montes. Contava, na família, nomes ilustres nas letras e nas armas – Diogo de Paiva Andrada, teólogo famoso que representou brilhantemente Portugal no Concílio de Trento; Miguel Leitão de Andrada que se bateu em Alcacer-Kibi e, jovem ainda, conheceu Camões velho e glorioso; Jacinto Freire... Como lhe seria possível isolar-se da Corte e fugir aos encargos que lhe davam – encargos que eram sobretudo honrarias e na sinecuras.
Disse-me um dia o meu saudoso Edmundo Navarro de Andrade (agrônomo paulista formado pela Universidade de Coimbra) que lera em Portugal um trabalho de José Bonifácio verdadeiramente inexcedível sobre a plantação de pinheiros na areia e a fixação das dunas de praias.
– Não se avançou nada, ainda hoje – declarou – sobre aquilo que ele sabia.
Em literatura, seu grande mestre foi Luís de Camões. E a seguir, Filinto Elíseo – também discípulo de Camões. Possuindo o grão poeta quinhentista vastíssima cultura, nada mais natural que José Bonifácio o imitasse instruindo-se, mesmo para o compreender e comentar. Três paixões o dominaram: a das belas mulheres, dos bons livros e da Mineralogia. Mas sobre todas, num plano mais alto, a do amor a Pátria. Ao falecer em 1838, deixou das melhores coleções mineralógicas do mundo organizadas nesse tempo e uma biblioteca de seis mil volumes. Humboldt, que privou com ele, chama-lhe “mestre da ciência”. Vivia em Portugal muito modestamente, sem o menor brilho. Tinha alma de pobre. O Barão Guilherme Luís von Eschwege, que ali o conheceu, descreve-o de jaqueta marrom velha e calças compridas (em vez de calções e meias de seda) e não lhe gaba o paladar. Comia como o povo baixo: sopa de pão, verduras, toucinho, linguiça... Falava rapidamente o alemão, embora com certo sotaque. Baixo, magro (estatura menor que a meã) ,olhos escuros, pequenos e brilhantes, nariz curvo, cabelos pretos, finos e lisos, que uma trança prendia. Vaidoso. Orgulhoso. Língua afiada. Bravo. Não media censuras nem as poupava.
Sua autocrítica nada tinha de benigna. Corram-lhe o Diário de observações e notas sobre as minhas leituras, conversações e passeios. Achava-se duro, seco e de imaginação apagada ao escrever. Muito matter-of-fact. Enunciativo, esquemático.
Gostava de boa conversa, de dar gargalhadas e contar anedotas. Mulheres. Fundamentalmente polígamo. Casara-se com D. Narcisa Emília O'Leary, uma bela senhora de origem irlandesa, mas não a julgava insubstituível. Substituia-a frequentemente – e certa substituição acabou em choro de criança: uma menina que Narcisa acolheu quando ainda de mama e a quem deu o próprio nome. Chamou-se Narcisa Cândida.
Teve José Bonifácio duas filhas legítimas: Carlota Emília (que se casou com Alexandre Antônio Vandelli, auxiliar dele, José Bonifácio, na Intendência Geral das Minas e Metais e na Academia de Ciências) e Gabriela Frederica (que se casou com seu tio Martim Francisco). Não deixou filhos varões. Seu grande amor paterno foi a filha bastarda, nascida quando ele já contava cinquenta e seis anos.
Ser-lhe-ia possível, em 1808, vir para o Brasil com D. João VI. Não quis. Preferiu ficar e lutar contra os franceses, que invadiram Portugal nesse ano sob o comando de Junot; no ano seguinte, sob o comando de Soult; e em 1810, sob o comando de Massena, denominado por Napoleão, “l'enfant chéri de la Victoire”. José Bonifácio viu, antes de alguém no seu tempo – antes de Napoleão, antes de Wellington – que guerra era usina. Assim, contra Junot, lutou fabricando armas, organizando a retaguarda. Em 1809 avança para o combate contra Soult com o posto de major e, logo a seguir, promovido por atos de bravura, como tenente-coronel e comandante. Ignorando absolutamente o perigo, marcha à frente da tropa para dar exemplo. Advertido, despreza os avisos. Tem, afinal, Wellington, de baixar ordem formal para que siga à retaguarda e não comande na primeira linha de fogo – o que nos parece, na verdade inconcebível. José Bonifácio bateu-se sempre com denodo até o fim, até que os últimos soldados de Massena abandonassem o solo português. Valente até ali.
Enquanto os outros fugiam em 1808, ele ficara. Um Andrada não foge – costumava dizer. Mas depois de 1810 queria regressar à terra natal. E isso foi difícil de conseguir. Difícil porque não havia em Portugal gente habilitada. Queriam-no para tudo. Davam-lhe tantos encargos que jamais lhe seria possível exercê-los, tivesse o dia 60 horas em lugar de 24. Escreveu para o Brasil. Meteu Empenhos. Fatigado, D. João VI ordenou que lhe concedessem passaporte para o Rio de Janeiro e ele embarcou numa galera em fins de agosto de 1819.
Gondin da Fonseca
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quarta-feira, 13 de abril de 2016

Grandes vultos - Tiradentes - Parte III.


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES 
   
JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER (TIRADENTES)
 
Tiradentes diante da morte
 
O Alferes foi preso no dia 10 de maio de 1789.
 
Em Minas, foi decretada logo a severa ordem de prisão para todos os inconfidentes. De início foi preso o desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o noivo de Marília, cujo casamento era aguardado como o que iria ser o mais belo em Vila Rica. Cláudio Manoel da Costa foi posto numa prisão na Casa dos Contos. Como previa o enforcamento, de conformidade com a rigorosa lei de então, não resistiu e suicidou-se, com grande sentimento para o povo. No Tejuco, depois de muito trabalho, foi preso o padre Rolim, enquanto o comandante das tropas, Francisco de Paula Freire de Andrade saía disfarçadamente para sua fazenda Caldeirão, sendo, porém, detido para ser posto no cárcere aos empurrões. Em S. João del Rei foi detido Alvarenga Peixoto, e na Vila de S. José o padre Carlos Correia de Toledo e Melo. Em breve as prisões se achavam cheias de sonhadores da liberdade, pouco a pouco remetidos para o Rio. Iam com os punhos acorrentados, a cavalo, enquanto os brutos soldados os humilhavam durante os 8 dias de marcha para os cárceres sombrios.
 
Tiradentes, que tinha sido o primeiro detido, foi jogado na prisão, apenas com a roupa do corpo. Depois de alguns meses foi levado à presença dos juízes, interrogado demoradamente, sem nada dizer que comprometesse os companheiros. Os juízes lhe faziam perguntas sobre coisas que só os inconfidentes sabiam; e ele ficava admirado deles saberem tanto sobre os planos do levante. Era que Silvério soprava, dizia, informava, através de bilhetinhos dirigidos ao Vice-rei, tudo o que sabia.
 
Os juízes desesperavam quando viam que o chefe, Tiradentes, nada informava, e excluía da acusação os antigos companheiros. Até que, já na 4ª audiência, mais de um ano depois que se encontrava preso, mandou um dos juízes que entrasse na sala Silvério. Tiradentes ainda sorriu para cumprimentá-lo, mas o infame delator deu-lhe as costas e se pôs a falar para os juízes, acusando todos e sobretudo o Alferes.
 
Tiradentes viu então de onde tudo partia. E enquanto falava Silvério, ele via com tristeza o sonho de independência desfeito; o Brasil continuava explorado por mãos estranhas, o povo sofrendo a opressão da Coroa, sem falar que aos poucos os companheiros se aproximavam da forca.
 
Quando Silvério se retirou, os juízes quiseram que ele tudo confirmasse. Tiradentes ergueu a cabeça e disse:
 
– Não há cabeças nem capatazes. Só eu sou o culpado e foi eu quem idealizou tudo!
 
Os que se encontravam na sala emudeceram, ante tamanha coragem.
 
No entanto, todos os companheiros ouvidos o acusaram de tal forma que só nele caiu a maior culpa. Uns diziam que ele era louco; outros, que era um falador sem nenhum propósito. Ninguém o defendeu.
 
Até que afinal, no dia 18 de abril de 1789 foi lavrada a terrível sentença. Na sala do Oratório da prisão, acorrentados, cerca de dez inconfidentes ouviram a sentença de morte por enforcamento, com esquartejamento a seguir. Lágrimas, blasfêmias, gritos, se seguiam quando o desembargador incumbido de ler a sentença pronunciava o nome do condenado. Já no Campo da Lampadosa se erguia a forca descomunal, a maior que se levantou no Rio. O advogado dos inconfidentes, José de Oliveira Fagundes, trabalhava sem cessar, procurando, através de sucessivas petições, convencer os julgadores de que deveriam perdoar, ou, no máximo, desterrar os inconfidentes, e nunca matá-los. O desespero tomou conta de todos, pois os juízes se mostraram inflexíveis. Quando já estava alta a madrugada do dia 20 de abril, e as tropas se estiravam pelas ruas, no rumo do Campo da Lampadosa, foi que um lampejo de esperança raiou. Os passos do desembargador pareceram mais rápidos e ele trazia um sorriso nos lábios. Entrou na sala e os condenados o cercaram, cheios de temor mas já com alguma esperança. A Rainha mandava que as penas fossem comutadas em degredo para a África!
 
Os gritos, as lágrimas, as saudações se erguiam de todos os lados em louvor à piedosíssima Rainha. Todos caíram de joelhos, erguendo os olhos e os braços, com as faces lavadas de lágrimas de reconhecimento pela mercê que acabavam de receber! Passados alguns anos poderiam voltar ao lar. á Pátria; e aquela inconfidência teria passado como um pesadelo. As correntes iam caindo dos punhos dos condenados, à medida que eram perdoados.
 
Só um condenado permaneceu de pé, com as correntes nos punhos: Tiradentes! Todos se abraçavam, sorriam, choravam. Passado o alvoroço, nem notaram que um companheiro sorria para eles, e os cumprimentava e formulava votos para que vivessem muitos anos.

21 de abril
 
O 21 de abril de 1792 foi um sábado. Muita tropa na rua e muita gente procurando um lugar por onde passaria o condenado em busca da forca. De todos os condenados, só o Alferes seria enforcado. Todo mundo se compadeceu daquela situação e muita gente saiu do Rio.
 
Às 8 horas da manhã, entrou na sala do Oratório o algoz. Trazia enrolada no braço a corda e tinha nas mãos uma longa camisola branca, chamada “alva dos condenados”. O padre confessor, Penaforte, aproximou-se de Tiradentes para ouvi-lo dizer: “padre, se eu tivesse dez vidas, dez eu daria para que os companheiros não sofressem nada”.
 
O negro Capitania, tremulo, se aproximou, e pediu ao condenado que o perdoasse. Tiradentes o encarou e disse: “Meu amigo! Deixa-me beijar teus pés e tuas mãos! És um inocente!”
 
Quando foi pedido que tirasse o paletó, ele tirou também a camisa dizendo: “O meu Salvador morreu também assim, pelos meus pecados!”
 
Tambores rufavam na rua, cavalos com crinas amarradas de fitas coloridas agitavam-se ante as esporas de prata dos cavalos que bradavam vozes de comando.
 
Às 9 horas, pouco mais ou menos, Tiradentes, vestido com o camisolão, pisou o chão da rua, empunhando um crucifixo, tendo a corda passada pela garganta, enquanto o Capitania segurava a ponta. Um meirinho gritava a frente apontando-o e chamando-o de “infame réu” que havia tentado libertar o país do poder da Rainha piedosíssima! “O Alferes caminhava trôpego , pois fazia quase três anos que estava encarcerado. Depois de andar sob um sol abrasador, mais de quilômetro e meio, entrou no triângulo formado por soldados. Rápido subiu as escadas do cadafalso. Um padre recitou um longo sermão, enquanto ele, em voz baixa, pedia que o Capitania acabasse logo o “trabalho”. A seguir o padre convidou o povo para rezar o credo, ouvindo-se clara, sem tremor a voz firme do Alferes.
 
Súbito, um rumor! Tiradentes foi jogado ao espaço enquanto o negro cavalgava seus ombros para rapidamente enforcá-lo. Tambores, vozes enérgicas de comando, brados, rumor enfim foram ouvidos, enchendo toda a praça.
 
A seguir, para ser cumprida a sentença, constatada a morte do condenado, foi erguido seu corpo ao estrado e, à vista do povo, seguiu-se o esquartejamento. Postos os quartos em sacos de couro, foram sendo semeados no caminho de Minas Gerais. A cabeça foi pregada num poste em Vila Rica para que o tempo a consumisse. Todos os bens foram confiscados e vendidos em benefício da Coroa, e considerados infames seus filhos e netos “se os tivesse”.
 
Assim foi desfeito esse belo sonho de liberdade, em virtude da traição de um companheiro.
 
Silvério teve perdoadas as dívidas. Recebeu da Coroa algumas honras; mas jamais pode voltar a Minas Gerais. Morreu alguns anos após roído de bichos.
 
Trinta anos depois da morte de Tiradentes raiou a Liberdade do país, isto é,a 7 de setembro de 1822 o príncipe D. Pedro proclamava a independência.
 
Um poeta disse de Tiradentes:
 
“Tombou! Mas esplenderam num céu azul de glória,
– Escritas com seu sangue – as páginas da História Da Terra da Liberdade por quem ele morria!”

 
Fonte: Forjadores do Mundo Moderno, Editora Fulgor, edição 1968, volume 6, escrito por Luís Wanderley Torres.

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