Grito de Independência |
GRANDES
VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS
ATIVIDADES
JOSÉ
BONIFÁCIO – PARTE 03
Filho
provável de D. João VI, D. Pedro é um moço ardido, inflamado,
exaltado, de vinte e três anos apenas. Diante de José Bonifácio
sente-se mais filho do que rei. Visita-o em sua casa com a mulher, a
culta, inteligente, Leopoldina. E isso passa excitar invejas,
conforme sempre sucede.
A viagem
a São Paulo, realiza-a depois da volta de Minas, por instigação do
seu ministro, que não lhe perdoa a inanição no Rio de Janeiro.
Enquanto por lá ainda, chegam decretos vindos de Lisboa que visam,
sobretudo, José Bonifácio – anulando, sumariamente, todos os atos
do governo que ele preside. Custa a crer na cegueira do parlamento
português desse tempo! Como poderia tal assembleia, com lei ou com
ordens escritas, destruir o prestígio daquele homem intrépido e
onímodo, que tinha na mão todos os fios da trama da independência
do Brasil? Habilmente, ele se alia a D. Leopoldina e escreve a D.
Pedro jurando que de Portugal o humilham: “não temos a esperar
senão escravidão e horrores. Venha V. A. quanto antes e decida-se;
porque irresoluções e medidas de água morna, à vista desse
contrário (inimigo) que não nos poupa, para nada
servem – e um momento perdido é uma desgraça”.
Instiga-o
a rebelar-se, veladamente, exproba-lhe as hesitações, os titubeios,
frequentes no seu animo de nervoso, ora ebuliente, ora deprimido –
sempre em desequilíbrio emocional. O príncipe quer então
mostrar-se inabalável, resoluto, e, às margens do Ipiranga, lança
o grito que José Bonifácio lhe ensinara “Independência ou Morte”
– nome de uma das alas do “Apostolado”, espécie de Loja
Maçônica (sem ser maçônica) que ele, ministro, fundara e onde usa
o pseudônimo de Tibiriçá. Ali, D. Pedro é Rômulo. Neste teatro
da vida, as grandes causas não vingam sem que o agente que as mova
seja um pouco ator e libretista.
Rômulo
grita “Independência ou Morte”. Tibiriçá aplaude-o e finge-se
espantado. Como tivera ele, D. Pedro, tanta coragem? Como se mostra
firme, tão decidido? Recua habilmente para os bastidores e apresenta
à plateia o Príncipe declarando-o o único fator da libertação
nacional. Ele, Andrada? Nada fizera. Cumpria ordens. “Nasci para
homem de letras e roceiro”.
D. Pedro
abraçou-o com ternura. Chama-lhe “o velho” entre amigos. Com tal
expressão o coloca, definitivamente, na posição de pai, e isso
constituiu um mal, porque a revolta contra o pai era, nele,
instintiva, incoercível.
Descrever
as lutas que se travaram entre os Andradas e os grupos adversários
seria longo. Impossível – diz Camões – confinar a água do mar
num pequeno vaso. Neste resumo atropelado da vida profícua do
Patriarca da nossa Independência não posso, porém, omitir o nome
de uma das amantes de D. Pedro, Domitila de Castro. Trouxe-a de São
Paulo. Imediatamente José Bonifácio lhe condena o ato. Certo,
compreendia e desculpava amores extraconjugais. Mas a instalação
daquela prostituta, como abertamente lhe chama, ao lado do paço de
São Cristóvão, ofende a Imperatriz Leopoldina, sua amiga, e é,
para ele mesmo, José Bonifácio, um desprimor. Não! Não se
vergaria a procurar D. Pedro em casa dela. Nem a mandá-lo chamar por
emissário. D. Pedro ouve. No fundo, sabe que é certo. Ela não
tinha nada e amontoa grande fortuna. Como?
A causa
da escravatura e a reforma agrária – que nunca pode levar a cabo –
criam-lhe inimigos mortais. Increpam-no de conspirador contra a
propriedade privada – o que hoje equivaleria à imputação de
“Esquerdista perigoso”. Ele defende-se argumentando: “Nos vos
iludais senhores! A propriedade foi sancionada para o bem de todos; e
qual o bem que tira o escravo de perder todos os seus direitos
naturais, e de se tornar de pessoa a coisa, na frase dos
jurisconsultos? Não é, pois, o direito de propriedade que querem
defender: é o direito da força. Se a lei deve defender a
propriedade, muito mais deve defender a liberdade pessoal dos homens,
que não pode ser propriedade de ninguém”. (Representação
à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do
Império do Brasil Sobre a Escravatura. Firmin Didot, Paris,
1825). Que adiantam para o progresso do Brasil, as sesmarias
incultas?
Exilado
da sua terra natal, para a França, a 20 de novembro de 1823, pobre,
com uma pensão ridícula de cem mil réis semanais, Chamberlain,
cônsul da Inglaterra, fica depositário dos seus papéis e livros.
Lorde Cochrane, que contratara para a defesa naval do Brasil, vem
apresentando-lhe os seus respeitos, na companhia do bravo João
Taylor. Sua irma, D. Maria Flora Ribeiro de Andrada, solidária com
ele, abandona o cargo de Camareira mor da Imperatriz e comparece para
seguir, voluntariamente, rumo ao exilo. A Martim Francisco e a
Antônio Carlos atingia o decreto de banimento. D. Narcisa O'Leary
não se afasta do seu “querido Andrada” em transe de tanta dor e
leva consigo a Narcisinha já moça. Diante da tempestade de ódios
dos seus adversários, os Andradas, como sempre, se revelam fortes,
destemerosos e unidos. Não podem os políticos parlapatões perdoar
ao Patriarca a imensa cultura, que assombrou Humboldt, o manejo
correto de várias línguas mortas e vivas, a altitude mental em que
se libra. E sobretudo os ardores reformistas. Crucificam-no.
Simplesmente
para ferir José Bonifácio, D. Pedro investe Domitila de Castro no
título de Viscondessa de Santos. Eleva-a depois a Marquesa. “Quem
sonharia – brada do exílio o Patriarca – que a michela
(meretriz) Domitila seria viscondessa da pátria dos Andradas?
Que insulto desmiolado!”
Nunca
mais voltaria a Santos em dias de sua vida! Era, a seu ver, terra
profana. Atribui todos esses destemperos ao gênio atrabiliário do
“rapazinho” (o Imperador) a quem chama Pedro Malasartes.
Desembarca
de volta ao Rio no dia 23 de julho de 1829 e não vai ao palácio.
Encontram-se mais tarde, o Imperador e ele – o Imperador comovido,
arrependido ele, generoso, vendo acima de tudo o Brasil e não
querendo mal ao rapazinho que, dois anos mais tarde, forçado a
retirar-se do país e a abdicar, o nomeia tutor de seus filhos com um
decreto que o hora:
“Tendo
maduramente refletido sobre a posição política desse Império,
conhecendo quando se faz necessária a minha abdicação e não
desejando nada neste mundo senão glória para mim e felicidade para
a minha pátria: hei por bem, usando do direito que a Constituição
me concede no capítulo 5º, artigo 130, nomear, como por este meu
imperial decreto nomeio, tutor de meus amados e prezados filhos ao
muito probo, honrado e patriótico cidadão José Bonifácio de
Andrada e Silva, meu verdadeiro amigo”. Temendo que José Bonifácio
recuse o encargo, como recusara o título de Marquês em 1822, além
de outras muitas coisas, escreve-lhe insistente:
“Amicus
certus in re incerta cernitur. É
chegada a ocasião de me dar mais uma prova de amizade, tomando conta
da educação
de meu amado e prezado filho,
seu imperador. Eu delego em tao patriótico cidadão
a tutoria do meu querido filho, e espero que, educando naqueles
sentimentos de honra e patriotismo com que devem ser educados todos
os soberanos para serem dignos de reinar, ele venha um dia fazer a
fortuna do Brasil, de que me retiro saudoso. Eu espero que me faça
este obséquio, acreditando que, a não mo fazer, eu viverei sempre
atormentado. Seu amigo constante.
Pedro”.
José
Bonifácio aceitou prebenda de tutor de D. Pedro II e suas irmãs. O
menino tinha pouco mais de cinco anos. Chegando ao paço, o Patriarca
ergueu-o nos braços e beijou-o, com uma frase de carinho:”meu
imperador e meu filho!”
Não
precisava de procurar parecer bom para as crianças porque o era de
seu natural. Sempre risonho, sem a composta gravidade dos hipócritas,
continuava moço em espírito. Ria. Brincava. Contava histórias.
Não me
alonguei narrando as lutas que se seguiram contra José Bonifácio,
até que por medo e inveja o despojaram do cargo de tutor (decreto de
14 de dezembro de 1833). Embora tivesse direito a vencimentos de
ministro de Estado, nada recebia. Continuava com a mesma alma de
pobre dos dias de mocidade.
Quando
lhe levaram ao palácio de São Cristóvão o ofício do Ministro do
Império que o destituía prendendo-o, ele leu-o sossegado e
declarou-o legal. Se o queriam apear, comparecessem os regentes,
“dois camelos e um velhaco” (Aurora Fluminense) e
então ele sairia. Um Andrada não atende a ofícios remetidos por
ministros ou servos de ministros. Em todo caso, se tentassem
humilhá-lo, resistiria à bala.
Deve
ter causado espanto ao menino que depois foi o grande D. Pedro II,
aquela rara firmeza em homem tão
velho e tão
curtido de amarguras. Cerca de 300 soldados cercam o paço – 120 de
cavalaria e resto de infantaria. Ninguém se atreve, no entanto, a
aproximar-se do destemido Andrada que, firme e sozinho, jura não se
render. La commedia è finita.
Quem avançar, que faça primeiro o ato de contrição. Afinal chega
mesmo um Regente, acompanhando o novo tutor. Dois generais, Joaquim
José de Lima e Silva e Raimundo José da Cunha Matos, exortam-no a
que se entregue.
– Muito
bem. Exibam-me, então, agora, os juízes de paz, a ordem de prisão
emanada da regência.
Exibida
a ordem, concorda em sair. Vendo-o cruzar o portão, a tropa,
assombrada, apresenta-lhe armas. E lá vai ele, o glorioso vencido,
para a sua casa em Paquetá. Concedem-lhe a ilha inteira por
homenagem.
Em
carta a D. Mariana de Verna Magalhães,
dama do paço com quem José
Bonifácio se desaviera, escreve o Ministro Aureliano Coutinho:
“Parabéns, minha senhora; custou, mas demos com o colosso em
terra”.
Era o
que eles pensavam, os seus inimigos! O colosso continua de pé.
Ninguém o derrubará nos séculos vindouros. As duas questões
sociais por que se bateu – a abolição da escravatura e a reforma
agrária – além da causa sagrada da Independência da Pátria,
iluminam-lhe a memória e para sempre o exaltam no culto da
posteridade.
Gondin
da Fonseca
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Um comentário:
provável? bem, os dois irmãos eram bem diferentes, mas...
D. Pedro foi o 1º Imperador do Brasil e tudo fez por esse povo. sua mulher, era inteligentíssima e visionária.
Depois, seguem-se as intrigas k dão sentido e interesse a História.
José Bonifácio tinha razão e a posteridade é seu lugar.
Beijos.
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