GRANDES
VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS
ATIVIDADES
JOSÉ
BONIFÁCIO – PARTE 01
(1763-1838)
“A
sã política é feita da Moral e da Razão”
A maior
dificuldade que se me apresenta nesta biografia é condensá-la em
poucas páginas. Exaustivo trabalho de síntese. Conforme disse Luís
de Camões no seu mais admirável poema lírico, não se pode
confinar a água do mar num pequeno vaso (Canção X). Ora, José
Bonifácio é água do mar – e mar tempestuoso.
Teve o
Brasil quatro estadistas peregrinos nos tempos modernos: José
Bonifácio, D. Pedro II, Floriano Peixoto e Getúlio Vargas. De todos
o maior foi José Bonifácio.
Tão
grandes se revelaram esses quatro estadistas que, decorridos longos
anos após a morte dos três primeiros (Getúlio é de ontem), ainda
encontram detratores furiosos, que os não admitem, que os insultam,
que os negam. Só criaturas excepcionais, muito acima da craveira dos
homens de mérito vulgar, acendem paixões tão fundas e,
aparentemente, tão inexplicáveis.
O
Patriarca da Independência nasceu em Santos no dia 13 de junho de
1773 e ali o batizaram como José Antônio. Antônio, por ser dia do
santo – o grande taumaturgo
português, braço direito de São Francisco de Assis. Logo lhe
mudaram, porém, o sobrenome para Bonifácio: o pai era Bonifácio,
um tio era Bonifácio, outros Bonifácios existiam na família – e
Santo Antônio não iria brigar por tão pouco. Diga-se, já,
que faleceu em Niterói, a 6 de abril de 1838. Viveu, portanto 75
anos.
Foram
seus pais Bonifácio José de Andrada e D. Maria Bárbara da Silva,
gente de teres, de cultura e de família nobre. O avô de José
Bonifácio, José Ribeiro de Andrada, chegado ao Brasil nos fins do
século XVII, descendia de antigos fidalgos de entre Homem e Cávado
– dois rios do norte de Portugal muito citados em costaneiras
genealógicas e nos romances de Camilo Castelo Branco. Talvez que a
melhor nobreza do Minho e de Trás-os-Montes provenha dali.
Por
volta de 1763-1780, Santos era um lugarejo pobre, sem importância.
Não teria cinco ruas transitáveis. Cinco? Três!
Uns dois mil habitantes, no máximo. O movimento do porto era
diminuto.
José
Bonifácio de Andrada e Silva aprendeu com o pai, com os tios, e
partiu para São Paulo aos 16 anos. Já então cometia sonetos e
amava. Afastados do Brasil os jesuítas por ordem do Marques de
Pombal, os estudos secundários e superiores ficaram ao desleixo mas,
assim mesmo, o rapaz foi atamancando os preparatórios para a
Universidade de Coimbra e bateu-se para Portugal onde, depois de
prestar exame no Pátio, matriculou-se na Faculdade de Direito a 30
de outubro de 1783. Só regressaria ao Brasil em agosto de 1819.
Admitindo-se que haja embarcado em 1782 (talvez antes) e
considerando-se o exílio de quase seis anos que sofreu, de 20 de
novembro de 1823 (data de sua partida do Rio de Janeiro) a 23 de
julho de 1829 (data da chegada), vemos que José Bonifácio, embora
falecido aos 75 anos, só viveu cerca de 33 anoa no Brasil. Tantos
quantos Jesus Cristo. Se não foi como Jesus, crucificados pelos seus
conterrâneos
(que lhe devem a Independência
e a União Nacional numa
época de agitação e incertezas) pouco na realidade faltou para
isso. Ainda há alguns anos tive de atirar pela janela afora o livro
de um medíocre pimpolho do Itamarati, Heitor Lira, que em sua
História de D. Pedro II
(Col. Brasiliana, São Paulo) articula contra José Bonifácio as
inépcias vomitadas por seus inimigos: Januário da Cunha Barbosa,
Gonçalves Ledo, Marquês de Olinda, Marques de Sapucaí, Varnhagen,
Calógeras, Euclides da Cunha, etc. Chega a acusá-lo de
prevaricador, quase de ladrão: “é hoje sabido que José Bonifácio
só consentiu no
movimento pela Independência depois que de Portugal lhe suspenderam
o pagamento dos empregos que desfrutava sem exercer.” Isto é uma
infâmia. Na realidade, em
Portugal, José Bonifácio ocupou vários empregos simultaneamente.
Entretanto, recebia apenas os magros proventos de inspetor das minas
de carvão,
professor da Universidade de Coimbra e talvez de mais outro cargo –
mas bagatelas que mal lhe davam para viver. Não
queria, aliás, ser professor da Universidade. Forçavam-no a aceitar
lugares disto e daquilo porque era o maior, decididamente o maior.
Inteligentíssimo, cultíssimo, falando e escrevendo correntemente o
latim, o grego, o francês, o inglês e o alemão, o Duque de Lafões
integrou-o na Academia das Ciências mal o viu formado em Filosofia e
Leis. Comissionou-o em seguida o governo de Lisboa para correr a
Europa em companhia de Manuel Ferreira Câmara
Bethencourt e Sá ( brasileiro) e Joaquim Pedro Fragoso a fim de
“adquirirem por meio de viagens literárias e explorações
filosóficas os conhecimentos mais perfeitos da Mineralogia e mais
partes da Filosofia e História Natural”.
José
Bonifácio partiu em junho de 1790 e regressou em setembro de 1800. O
dinheiro que lhe pagavam era mesquinho mas os conhecimentos que
adquiriu, inestimáveis. Se em Portugal frequentava os meios
palacianos, a isso o compeliam a posição, a cultura e o nascimento.
Aparentava-se com a maior nobreza do reino – os Linhares, os
Bobadela Freire de Andrada, os Marqueses de Montebelo e toda a
descendência
dos antigos ricos-homens do Minho e de Trás-os-Montes. Contava, na
família, nomes ilustres nas letras e nas armas – Diogo de Paiva
Andrada, teólogo famoso que representou brilhantemente Portugal no
Concílio de Trento; Miguel Leitão
de Andrada que se bateu em Alcacer-Kibi
e, jovem ainda, conheceu Camões
velho e glorioso; Jacinto Freire... Como lhe seria possível
isolar-se da Corte
e fugir aos encargos que lhe davam – encargos que eram sobretudo
honrarias e na sinecuras.
Disse-me
um dia o meu saudoso Edmundo Navarro de Andrade (agrônomo paulista
formado pela Universidade de Coimbra) que lera em Portugal um
trabalho de José Bonifácio verdadeiramente inexcedível sobre a
plantação de pinheiros na areia e a fixação das dunas de praias.
– Não
se avançou nada, ainda hoje – declarou – sobre aquilo que ele
sabia.
Em
literatura, seu grande mestre foi Luís de Camões. E a seguir,
Filinto Elíseo – também discípulo de Camões. Possuindo o grão
poeta quinhentista vastíssima cultura, nada mais natural que José
Bonifácio o imitasse instruindo-se, mesmo para o compreender e
comentar. Três paixões o dominaram: a das belas mulheres, dos bons
livros e da Mineralogia. Mas sobre todas, num plano mais alto, a do
amor a Pátria. Ao falecer em 1838, deixou das melhores coleções
mineralógicas do mundo organizadas nesse tempo e uma biblioteca de
seis mil volumes. Humboldt, que privou com ele, chama-lhe “mestre
da ciência”. Vivia em Portugal muito modestamente, sem o menor
brilho. Tinha alma de pobre. O Barão Guilherme Luís von Eschwege,
que ali o conheceu, descreve-o de jaqueta marrom velha e calças
compridas (em vez de calções e meias de seda) e não lhe gaba o
paladar. Comia como o povo baixo: sopa de pão, verduras, toucinho,
linguiça... Falava rapidamente o alemão, embora com certo sotaque.
Baixo, magro (estatura menor que a meã) ,olhos escuros, pequenos e
brilhantes, nariz curvo, cabelos pretos, finos e lisos, que uma
trança prendia. Vaidoso. Orgulhoso. Língua afiada. Bravo. Não
media censuras nem as poupava.
Sua
autocrítica nada tinha de benigna. Corram-lhe o Diário de
observações e notas sobre as minhas leituras, conversações e
passeios. Achava-se duro, seco e de imaginação apagada ao
escrever. Muito matter-of-fact. Enunciativo, esquemático.
Gostava
de boa conversa, de dar gargalhadas e contar anedotas. Mulheres.
Fundamentalmente polígamo. Casara-se com D. Narcisa Emília O'Leary,
uma bela senhora de origem irlandesa, mas não a julgava
insubstituível. Substituia-a frequentemente – e certa substituição
acabou em choro de criança: uma menina que Narcisa acolheu quando
ainda de mama e a quem deu o próprio nome. Chamou-se Narcisa
Cândida.
Teve
José Bonifácio duas filhas legítimas: Carlota Emília (que se
casou com Alexandre Antônio Vandelli, auxiliar dele, José
Bonifácio, na Intendência Geral das Minas e Metais e na Academia de
Ciências) e Gabriela Frederica (que se casou com seu tio Martim
Francisco). Não deixou filhos varões. Seu grande amor paterno foi a
filha bastarda, nascida quando ele já contava cinquenta e seis anos.
Ser-lhe-ia
possível, em 1808, vir para o Brasil com D. João
VI. Não quis. Preferiu ficar e lutar contra os franceses, que
invadiram Portugal nesse ano sob o comando de Junot; no ano seguinte,
sob o comando de Soult; e em 1810, sob o comando de Massena,
denominado por Napoleão, “l'enfant chéri de la Victoire”. José
Bonifácio viu, antes de alguém no seu tempo – antes de Napoleão,
antes de Wellington – que guerra era usina. Assim, contra Junot,
lutou fabricando armas, organizando a retaguarda. Em 1809 avança
para o combate contra Soult com o posto de major e, logo a seguir,
promovido por atos de bravura, como tenente-coronel e comandante.
Ignorando absolutamente o perigo, marcha à frente da tropa para dar
exemplo. Advertido, despreza os avisos. Tem, afinal, Wellington, de
baixar ordem formal para que siga à retaguarda e não comande na
primeira linha de fogo – o que nos parece, na verdade inconcebível.
José Bonifácio bateu-se sempre com denodo até o fim, até que os
últimos soldados de Massena abandonassem o solo português. Valente
até ali.
Enquanto
os outros fugiam em 1808, ele ficara. Um Andrada não foge –
costumava dizer. Mas depois de 1810 queria regressar à terra natal.
E isso foi difícil de conseguir. Difícil porque não havia em
Portugal gente habilitada. Queriam-no para tudo. Davam-lhe tantos
encargos que jamais lhe seria possível exercê-los, tivesse o dia 60
horas em lugar de 24. Escreveu para o Brasil. Meteu Empenhos.
Fatigado, D. João VI ordenou que lhe concedessem passaporte para o
Rio de Janeiro e ele embarcou numa galera em fins de agosto de 1819.
Gondin
da Fonseca
Continua
no próximo post.
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2 comentários:
Muito interessante.
Amigo, se puder passe pelo Sexta hoje.
Abraço
Um belo texto! Cheio de explicações e dados importantes.
Você tem o dom de escrever e passar conhecimento.
Muito bom!!!
Só uma dica: Eu acho que se você dividir a postagem em 2 ou 3 vai alcançar mais leitores.
Um abração!
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