D. Pedro I |
GRANDES
VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS
ATIVIDADES
JOSÉ
BONIFÁCIO – PARTE 02
Durante
trinta e sete anos de ausência,
José Bonifácio não esquecera jamais a sua Pátria: Santos. Para lá
voou. (Naqueles tempos empregava-se a palavra Pátria para indicar o
país que pertencia e, de modo restrito, particular, a terra do
nascimento.) A mãe
ainda era viva; o pai há muito falecera. Antônio
Carlos, seu irmão,
enovelara-se na conspiração
pernambucana de 1817 e estava preso. Fomentavam ideias separatistas,
mas os exaltados queriam a república, a exemplo do
desvairado Cipriano José Barata de Almeida, que afinal morreu na
Paraíba, segundo noticia publicada pelo “Jornal do Comércio”,
do Rio, de 1º de setembro de 1838, contrito e arrependido, depois de
desertar “das fileiras dos agitadores liberais, de que sempre se
mostrara campeão, para ser um dos mais acérrimos defensores da
ordem e da integridade do império”.
Em
Santos e, a seguir, em São Paulo, José Bonifácio viu bem que a
independência do Brasil havia de partir dali e não do Rio, onde o
grupo de Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa roncava
muito mas agia pouco. “O muito roncar antes da ocasião –
advertia o Padre Antônio Vieira no célebre sermão aos peixes – é
sinal de dormir nela.”
Entre
parêntesis, eu considero Ledo o maior braço, talvez, da
independência, não pelo que fez, mas pelo que obrigou a José
Bonifácio a fazer, opondo-se lhe, caluniando-o, maquinando tramas
contra ele. José Bonifácio agia melhor quando em combate, instigado
por adversários. Enfrentava fosse quem fosse. Não provocava duelos
mas também não os temia – e vários morreram enfrentando-o. Nem
Ledo, nem o Cônego Januário da Cunha Barbosa, nem José Clemente
Pereira, seus inimigos, jamais caíram na asneira de o desafiar: era
enterro na certa.
D. João
VI conhecia-o bem e é de crer que o recomendasse a D. Pedro quando
navegou para Portugal em 1821. Encontrava-se ele em São Paulo, nessa
ocasião, participando da junta de eleitores, para que fora
escolhido, com seu irmão Martin Francisco, pelas paróquias de
Santos e São Vicente. Em rápida manobra, domina a situação. Veem
os seus companheiros que está ali um chefe e – logo o acatam,
aclamando o nome de João Carlos Augusto Oysenhausen, que ele indica
(e com quem logo irá brigar) para o cargo de primeiro governador
livre de São Paulo. Segue-o o povo nas ruas. Fará o que ele quiser.
O príncipe D. Pedro escreve ao pai que a José Bonifácio “se deve
a tranquilidade atual da província de São Paulo”. Antônio
Carlos, seu irmão, saíra da cadeia. Martin Francisco ficaria de
sentinela a Oysenhausen.
A ideia
de José Bonifácio era a da união luso-brasileira, absolutamente
possível e absolutamente sensata ainda hoje. Queria uma comunidade
luso-brasileira (de países autônomos) que incluísse evidentemente
as colônias da África e não admitisse a escravidão dos pretos.
Trabalho livre. Desejava, também, o que hoje se convencionou chamar
“reforma agrária”: a abolição de sesmarias incultas e a
distribuição de terras aos que as não possuíssem e pretendessem
cultivá-las. Tais ideias haviam de levantar tempestades de protestos
das chamadas “classes conservadoras” a que se ligavam Gonçalves
Ledo, Januário, José Clemente, Aureliano Coutinho, Sapucaí e
outros.
Criado
no respeito à Monarquia e, na realidade, monarquista por tradição
de mais de oito séculos, não admitia os republicanos e tê-los-iam
sumariamente liquidado se acaso se erguessem em revolta. Preocupava-o
a união do Brasil, e essa, pensava, só podia realizar-se com São
Paulo abrindo brecha na vanguarda.
Temos de
atuar em conjunto – avisava aos seus sequazes. São Paulo está
conosco. E devem estar também conosco as províncias de Minas
Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso, criadas por
paulistas e habitadas por “filhos e netos de paulistas”.
Quando
D. João VI chega a Portugal e as cortes de Lisboa dissolvem a União
Luso-Brasileira com a lei de 24 de abril de 1821 – reforçada pouco
depois pelos decretos de 29 de setembro – José Bonifácio sente-se
ludibriado, trapaceado, vítima de um imenso conto do vigário. Então
ergue-se para a luta e, pela primeira vez, Portugal vê na frente, a
arrostá-lo, um político de gênio capaz de emancipar o Brasil.
Ao lado
de José Bonifácio e contra os deputados colonialistas de Lisboa,
congrega-se, então, a maioria dos portugueses no Brasil. Aquele
movimento reacionário da metrópole era um erro! Politicamente –
no dizer de Talleyrand – um erro traz mais funestas consequências
do que um crime. O regresso de D. Pedro a Lisboa e a descentralização
do governo do Brasil só não pareceriam medidas inconcebíveis,
utópicas, a quem vivesse alheio à realidade. De São Paulo escreve
José Bonifácio ao Príncipe Regente:
“É
impossível que os habitantes do Brasil que forem honrados e se
prezarem de ser homens – e mormente os paulistas – possam
consentir em tais absurdos e despotismos... V. A. Real deve ficar no
Brasil quaisquer que sejam os projetos das Cortes Constituintes, não
só para nosso bem geral, mas até para a independência e
prosperidade futura do mesmo Portugal. Se V. A. Real estiver (o nome
não é crível) pelo deslumbrado e indecoroso decreto de 29 de
setembro, além de perder para o Mundo a dignidade de homem e de
príncipe, tornando-se escravo de um pequeno número de
desorganizadores, terá que responder, perante o céu, do rio de
sangue que decerto vai correr pelo Brasil...”
Não era
carta de áulico amável mas de homem decidido a vestir roupa de
briga e partir para o entrevero. D. Pedro, porém, gostou dela. E
tanto que a mandou copiar e divulgar.
Como
todo paulista (ainda hoje), José Bonifácio, apesar de sábio, era,
no fundo, caipira (“Nasci para homem de letras e roceiro”).
Amava o seu chão e estava quase sempre disposto a contemporizar para
não entrar em contendas. Uma vez metido nelas, porém, não mais
saía. Ele e seus dois irmãos (Antônio Carlos e Martim Francisco)
impunham-se entre os paulistas como pessoas instruídas e de alto
nascimento. Mas o chefe da família era José Bonifácio. De São
Paulo também. Quem, na cidade, ou em qualquer parte da província,
duvidasse de tal chefia, começava logo apanhando provisoriamente uma
surra. Seus adeptos encarregavam-se do serviço.
Em
questões de Mineralogia dominava pelo saber extensíssimo, pelos
conhecimentos exatos que adquirira da matéria. D. João VI, que
fazia de José Bonifácio o melhor conceito, mandou-o em 1820 visitar
a fábrica de ferro de Ipanema, em Sorocaba, e o parecer que redigiu,
então, é ainda hoje impressionante. Acusa o mestre de forjas
Lourenço Huttgren e todos os que ali se encontram (Frederico Luís
Guilherme de Varnhagen, pai do futuro historiador, e os demais) de
nada saberem sobre manipulação do ferro. “Hedberg, em vez de
estabelecer fornos altos, contentou-se de construir quatro
forninhos”. Essa arrojadíssima ideia de construir fornos altos em
Sorocaba, em 1820, importando embora carvão, que na época era
baratíssimo, revela o homem de gênio. Com ferro em abundância
teríamos, desde então, máquina em abundância e ser-nos-ia não
apenas possível, mas indispensável, abolir o cativeiro dos pretos.
O
emprego de escravos na fábrica de Ipanema irritou José Bonifácio.
Tudo ali lhe pareceu desmantelo, ignorância e roubo. Tornava-se
indispensável “por um freio forte a tantos abusos e ladroeiras
como é inegável que tem havido neste belo mas malfadado
estabelecimento”.
Acusando
em relatório o pai de Varnhagen de inepto e ladrão, disse-lhe
provavelmente na cara conforme o seu liso, honrado costume. E isso
explica as restrições do filho – que nunca foi historiador, mas
simples cronista – ao seu papel grandioso, único, nos sucessos da
Independência. Aos Andradas – escreve, entretanto, John Armitage –
devem “o Brasil a Independência e D. Pedro a coroa”.
Chegado
José Bonifácio ao Rio em janeiro de 1822, logo D. Pedro consegue
que ele aceite a pasta de ministro do Reino e dos Estrangeiros, isto
é – ministro do Interior e do Exterior – o que equivale a uma
ditadura de fato. José Bonifácio exerce-a duramente, sem titubear,
marchando firme, em linha reta, apoiado cordialmente pela princesa
Leopoldina, moça instruidíssima, e pelo Príncipe, cujos instintos
de mandonismo ela e ele não cessam de brecar. Logo conquista para a
sua causa os representantes da Áustria e da Inglaterra, e não perde
tempo: a 21 de janeiro ordena ao Chanceler-mor (Ministro da Justiça)
que não publique lei alguma vinda de Portugal sem primeiro submeter
à aprovação do Príncipe Regente (dele); nomeia um cônsul
brasileiro para Londres declarando ao gabinete inglês que só tal
funcionário poderá daí por diante liberar navios que se destinem
ao Brasil; envia emissários às províncias do Norte, a fim de as
congregar para a causa da Independência; avisa que terão de
sujeitar-se à regência de D. Pedro, só a ela, e não a ordens que
recebam de Lisboa; alicia conspiradores em Pernambuco, no Maranhão,
no Rio Grande do Norte, na Bahia, no Pará, a fim de rebelarem, na
hora exata, contra a metrópole, que o ludibriou a ele, rasgando o
acordo do Reino Unido de Portugal e Brasil; empossa funcionários
seus em todas as províncias, reorganiza, por intermédio de Martim
Francisco, seu mano querido, o Erário Público, entregando-lhe o
Ministério da Fazenda a 4 de julho; forma um Exército novo e
contrata, para a obra de construção da Marinha de Guerra, Lord
Cochrane, aventureiro intrépido, de caráter seguro. Suas horas de
labor aumentam e seus cansados olhos tudo enxergam. Aconselha D.
Pedro. Vigia-o e impede-o de agir precipitadamente. “Recebi a sua
carta – escreve-lhe o Príncipe – e nela há judiciosas
reflexões, as quais eu aprovo muito e agradeço; e digo que se todos
os príncipes que quisessem obrar precipitadamente (assim como pelo
Diabo eu ia fazendo) tivessem um amigo como eu me prezo de ter, eles
nunca se deslumbrariam e a sua glória seria multiplicada todos os
dias, graças a Deus que tal me concedeu. Logo quando passar por sua
casa entrarei para lhe agradecer a franqueza que tem com este seu amo
que cada dia é mais seu amigo”.
Trabalha
intensamente, dando ao sono poucas horas. Induz o príncipe a
conquistar as boas graças dos povos de Minas e de São Paulo. Tinha
de viajar. O Brasil não é o Rio de Janeiro. D. Pedro conforma-se.
Vai a Minas – mas não antes que José Bonifácio ali lhe prepare
carinhosa recepção.
Gondin
da Fonseca
Continua
no próximo post.
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Um comentário:
É longo o post, mas José Bonifácio merece isso e mto mais.
Conheço, razoavelmente, a atuação e atitudes desse político lúcido e atinado, que tudo fez para k o Brasil continuasse ligado a Portugal, embora cada país tivesse vida própria, naturalmente.
Não sei quem perdeu, não sei quem ganhou, mas, em minha opinião, perdemos ambos.
beijos e tudo de bom.
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