quarta-feira, 11 de maio de 2016

Grandes vultos: José Bonifácio - Parte 03.

Grito de Independência

GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES
JOSÉ BONIFÁCIO – PARTE 03
Filho provável de D. João VI, D. Pedro é um moço ardido, inflamado, exaltado, de vinte e três anos apenas. Diante de José Bonifácio sente-se mais filho do que rei. Visita-o em sua casa com a mulher, a culta, inteligente, Leopoldina. E isso passa excitar invejas, conforme sempre sucede.
A viagem a São Paulo, realiza-a depois da volta de Minas, por instigação do seu ministro, que não lhe perdoa a inanição no Rio de Janeiro. Enquanto por lá ainda, chegam decretos vindos de Lisboa que visam, sobretudo, José Bonifácio – anulando, sumariamente, todos os atos do governo que ele preside. Custa a crer na cegueira do parlamento português desse tempo! Como poderia tal assembleia, com lei ou com ordens escritas, destruir o prestígio daquele homem intrépido e onímodo, que tinha na mão todos os fios da trama da independência do Brasil? Habilmente, ele se alia a D. Leopoldina e escreve a D. Pedro jurando que de Portugal o humilham: “não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V. A. quanto antes e decida-se; porque irresoluções e medidas de água morna, à vista desse contrário (inimigo) que não nos poupa, para nada servem – e um momento perdido é uma desgraça”.
Instiga-o a rebelar-se, veladamente, exproba-lhe as hesitações, os titubeios, frequentes no seu animo de nervoso, ora ebuliente, ora deprimido – sempre em desequilíbrio emocional. O príncipe quer então mostrar-se inabalável, resoluto, e, às margens do Ipiranga, lança o grito que José Bonifácio lhe ensinara “Independência ou Morte” – nome de uma das alas do “Apostolado”, espécie de Loja Maçônica (sem ser maçônica) que ele, ministro, fundara e onde usa o pseudônimo de Tibiriçá. Ali, D. Pedro é Rômulo. Neste teatro da vida, as grandes causas não vingam sem que o agente que as mova seja um pouco ator e libretista.
Rômulo grita “Independência ou Morte”. Tibiriçá aplaude-o e finge-se espantado. Como tivera ele, D. Pedro, tanta coragem? Como se mostra firme, tão decidido? Recua habilmente para os bastidores e apresenta à plateia o Príncipe declarando-o o único fator da libertação nacional. Ele, Andrada? Nada fizera. Cumpria ordens. “Nasci para homem de letras e roceiro”.
D. Pedro abraçou-o com ternura. Chama-lhe “o velho” entre amigos. Com tal expressão o coloca, definitivamente, na posição de pai, e isso constituiu um mal, porque a revolta contra o pai era, nele, instintiva, incoercível.
Descrever as lutas que se travaram entre os Andradas e os grupos adversários seria longo. Impossível – diz Camões – confinar a água do mar num pequeno vaso. Neste resumo atropelado da vida profícua do Patriarca da nossa Independência não posso, porém, omitir o nome de uma das amantes de D. Pedro, Domitila de Castro. Trouxe-a de São Paulo. Imediatamente José Bonifácio lhe condena o ato. Certo, compreendia e desculpava amores extraconjugais. Mas a instalação daquela prostituta, como abertamente lhe chama, ao lado do paço de São Cristóvão, ofende a Imperatriz Leopoldina, sua amiga, e é, para ele mesmo, José Bonifácio, um desprimor. Não! Não se vergaria a procurar D. Pedro em casa dela. Nem a mandá-lo chamar por emissário. D. Pedro ouve. No fundo, sabe que é certo. Ela não tinha nada e amontoa grande fortuna. Como?
A causa da escravatura e a reforma agrária – que nunca pode levar a cabo – criam-lhe inimigos mortais. Increpam-no de conspirador contra a propriedade privada – o que hoje equivaleria à imputação de “Esquerdista perigoso”. Ele defende-se argumentando: “Nos vos iludais senhores! A propriedade foi sancionada para o bem de todos; e qual o bem que tira o escravo de perder todos os seus direitos naturais, e de se tornar de pessoa a coisa, na frase dos jurisconsultos? Não é, pois, o direito de propriedade que querem defender: é o direito da força. Se a lei deve defender a propriedade, muito mais deve defender a liberdade pessoal dos homens, que não pode ser propriedade de ninguém”. (Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil Sobre a Escravatura. Firmin Didot, Paris, 1825). Que adiantam para o progresso do Brasil, as sesmarias incultas?
Exilado da sua terra natal, para a França, a 20 de novembro de 1823, pobre, com uma pensão ridícula de cem mil réis semanais, Chamberlain, cônsul da Inglaterra, fica depositário dos seus papéis e livros. Lorde Cochrane, que contratara para a defesa naval do Brasil, vem apresentando-lhe os seus respeitos, na companhia do bravo João Taylor. Sua irma, D. Maria Flora Ribeiro de Andrada, solidária com ele, abandona o cargo de Camareira mor da Imperatriz e comparece para seguir, voluntariamente, rumo ao exilo. A Martim Francisco e a Antônio Carlos atingia o decreto de banimento. D. Narcisa O'Leary não se afasta do seu “querido Andrada” em transe de tanta dor e leva consigo a Narcisinha já moça. Diante da tempestade de ódios dos seus adversários, os Andradas, como sempre, se revelam fortes, destemerosos e unidos. Não podem os políticos parlapatões perdoar ao Patriarca a imensa cultura, que assombrou Humboldt, o manejo correto de várias línguas mortas e vivas, a altitude mental em que se libra. E sobretudo os ardores reformistas. Crucificam-no.
Simplesmente para ferir José Bonifácio, D. Pedro investe Domitila de Castro no título de Viscondessa de Santos. Eleva-a depois a Marquesa. “Quem sonharia – brada do exílio o Patriarca – que a michela (meretriz) Domitila seria viscondessa da pátria dos Andradas? Que insulto desmiolado!”
Nunca mais voltaria a Santos em dias de sua vida! Era, a seu ver, terra profana. Atribui todos esses destemperos ao gênio atrabiliário do “rapazinho” (o Imperador) a quem chama Pedro Malasartes.
Desembarca de volta ao Rio no dia 23 de julho de 1829 e não vai ao palácio. Encontram-se mais tarde, o Imperador e ele – o Imperador comovido, arrependido ele, generoso, vendo acima de tudo o Brasil e não querendo mal ao rapazinho que, dois anos mais tarde, forçado a retirar-se do país e a abdicar, o nomeia tutor de seus filhos com um decreto que o hora:
“Tendo maduramente refletido sobre a posição política desse Império, conhecendo quando se faz necessária a minha abdicação e não desejando nada neste mundo senão glória para mim e felicidade para a minha pátria: hei por bem, usando do direito que a Constituição me concede no capítulo 5º, artigo 130, nomear, como por este meu imperial decreto nomeio, tutor de meus amados e prezados filhos ao muito probo, honrado e patriótico cidadão José Bonifácio de Andrada e Silva, meu verdadeiro amigo”. Temendo que José Bonifácio recuse o encargo, como recusara o título de Marquês em 1822, além de outras muitas coisas, escreve-lhe insistente:
Amicus certus in re incerta cernitur. É chegada a ocasião de me dar mais uma prova de amizade, tomando conta da educação de meu amado e prezado filho, seu imperador. Eu delego em tao patriótico cidadão a tutoria do meu querido filho, e espero que, educando naqueles sentimentos de honra e patriotismo com que devem ser educados todos os soberanos para serem dignos de reinar, ele venha um dia fazer a fortuna do Brasil, de que me retiro saudoso. Eu espero que me faça este obséquio, acreditando que, a não mo fazer, eu viverei sempre atormentado. Seu amigo constante.
Pedro”.
José Bonifácio aceitou prebenda de tutor de D. Pedro II e suas irmãs. O menino tinha pouco mais de cinco anos. Chegando ao paço, o Patriarca ergueu-o nos braços e beijou-o, com uma frase de carinho:”meu imperador e meu filho!”
Não precisava de procurar parecer bom para as crianças porque o era de seu natural. Sempre risonho, sem a composta gravidade dos hipócritas, continuava moço em espírito. Ria. Brincava. Contava histórias.
Não me alonguei narrando as lutas que se seguiram contra José Bonifácio, até que por medo e inveja o despojaram do cargo de tutor (decreto de 14 de dezembro de 1833). Embora tivesse direito a vencimentos de ministro de Estado, nada recebia. Continuava com a mesma alma de pobre dos dias de mocidade.
Quando lhe levaram ao palácio de São Cristóvão o ofício do Ministro do Império que o destituía prendendo-o, ele leu-o sossegado e declarou-o legal. Se o queriam apear, comparecessem os regentes, “dois camelos e um velhaco” (Aurora Fluminense) e então ele sairia. Um Andrada não atende a ofícios remetidos por ministros ou servos de ministros. Em todo caso, se tentassem humilhá-lo, resistiria à bala.
Deve ter causado espanto ao menino que depois foi o grande D. Pedro II, aquela rara firmeza em homem tão velho e tão curtido de amarguras. Cerca de 300 soldados cercam o paço – 120 de cavalaria e resto de infantaria. Ninguém se atreve, no entanto, a aproximar-se do destemido Andrada que, firme e sozinho, jura não se render. La commedia è finita. Quem avançar, que faça primeiro o ato de contrição. Afinal chega mesmo um Regente, acompanhando o novo tutor. Dois generais, Joaquim José de Lima e Silva e Raimundo José da Cunha Matos, exortam-no a que se entregue.
– Muito bem. Exibam-me, então, agora, os juízes de paz, a ordem de prisão emanada da regência.
Exibida a ordem, concorda em sair. Vendo-o cruzar o portão, a tropa, assombrada, apresenta-lhe armas. E lá vai ele, o glorioso vencido, para a sua casa em Paquetá. Concedem-lhe a ilha inteira por homenagem.
Em carta a D. Mariana de Verna Magalhães, dama do paço com quem José Bonifácio se desaviera, escreve o Ministro Aureliano Coutinho: “Parabéns, minha senhora; custou, mas demos com o colosso em terra”.
Era o que eles pensavam, os seus inimigos! O colosso continua de pé. Ninguém o derrubará nos séculos vindouros. As duas questões sociais por que se bateu – a abolição da escravatura e a reforma agrária – além da causa sagrada da Independência da Pátria, iluminam-lhe a memória e para sempre o exaltam no culto da posteridade.
Gondin da Fonseca 
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Um comentário:

CÉU disse...

provável? bem, os dois irmãos eram bem diferentes, mas...

D. Pedro foi o 1º Imperador do Brasil e tudo fez por esse povo. sua mulher, era inteligentíssima e visionária.

Depois, seguem-se as intrigas k dão sentido e interesse a História.

José Bonifácio tinha razão e a posteridade é seu lugar.

Beijos.

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