quarta-feira, 4 de maio de 2016

Grandes vultos: José Bonifácio - Parte 02.


D. Pedro I


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES
JOSÉ BONIFÁCIO – PARTE 02
Durante trinta e sete anos de ausência, José Bonifácio não esquecera jamais a sua Pátria: Santos. Para lá voou. (Naqueles tempos empregava-se a palavra Pátria para indicar o país que pertencia e, de modo restrito, particular, a terra do nascimento.) A mãe ainda era viva; o pai há muito falecera. Antônio Carlos, seu irmão, enovelara-se na conspiração pernambucana de 1817 e estava preso. Fomentavam ideias separatistas, mas os exaltados queriam a república, a exemplo do desvairado Cipriano José Barata de Almeida, que afinal morreu na Paraíba, segundo noticia publicada pelo “Jornal do Comércio”, do Rio, de 1º de setembro de 1838, contrito e arrependido, depois de desertar “das fileiras dos agitadores liberais, de que sempre se mostrara campeão, para ser um dos mais acérrimos defensores da ordem e da integridade do império”.
Em Santos e, a seguir, em São Paulo, José Bonifácio viu bem que a independência do Brasil havia de partir dali e não do Rio, onde o grupo de Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa roncava muito mas agia pouco. “O muito roncar antes da ocasião – advertia o Padre Antônio Vieira no célebre sermão aos peixes – é sinal de dormir nela.”
Entre parêntesis, eu considero Ledo o maior braço, talvez, da independência, não pelo que fez, mas pelo que obrigou a José Bonifácio a fazer, opondo-se lhe, caluniando-o, maquinando tramas contra ele. José Bonifácio agia melhor quando em combate, instigado por adversários. Enfrentava fosse quem fosse. Não provocava duelos mas também não os temia – e vários morreram enfrentando-o. Nem Ledo, nem o Cônego Januário da Cunha Barbosa, nem José Clemente Pereira, seus inimigos, jamais caíram na asneira de o desafiar: era enterro na certa.
D. João VI conhecia-o bem e é de crer que o recomendasse a D. Pedro quando navegou para Portugal em 1821. Encontrava-se ele em São Paulo, nessa ocasião, participando da junta de eleitores, para que fora escolhido, com seu irmão Martin Francisco, pelas paróquias de Santos e São Vicente. Em rápida manobra, domina a situação. Veem os seus companheiros que está ali um chefe e – logo o acatam, aclamando o nome de João Carlos Augusto Oysenhausen, que ele indica (e com quem logo irá brigar) para o cargo de primeiro governador livre de São Paulo. Segue-o o povo nas ruas. Fará o que ele quiser. O príncipe D. Pedro escreve ao pai que a José Bonifácio “se deve a tranquilidade atual da província de São Paulo”. Antônio Carlos, seu irmão, saíra da cadeia. Martin Francisco ficaria de sentinela a Oysenhausen.
A ideia de José Bonifácio era a da união luso-brasileira, absolutamente possível e absolutamente sensata ainda hoje. Queria uma comunidade luso-brasileira (de países autônomos) que incluísse evidentemente as colônias da África e não admitisse a escravidão dos pretos. Trabalho livre. Desejava, também, o que hoje se convencionou chamar “reforma agrária”: a abolição de sesmarias incultas e a distribuição de terras aos que as não possuíssem e pretendessem cultivá-las. Tais ideias haviam de levantar tempestades de protestos das chamadas “classes conservadoras” a que se ligavam Gonçalves Ledo, Januário, José Clemente, Aureliano Coutinho, Sapucaí e outros.
Criado no respeito à Monarquia e, na realidade, monarquista por tradição de mais de oito séculos, não admitia os republicanos e tê-los-iam sumariamente liquidado se acaso se erguessem em revolta. Preocupava-o a união do Brasil, e essa, pensava, só podia realizar-se com São Paulo abrindo brecha na vanguarda.
Temos de atuar em conjunto – avisava aos seus sequazes. São Paulo está conosco. E devem estar também conosco as províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso, criadas por paulistas e habitadas por “filhos e netos de paulistas”.
Quando D. João VI chega a Portugal e as cortes de Lisboa dissolvem a União Luso-Brasileira com a lei de 24 de abril de 1821 – reforçada pouco depois pelos decretos de 29 de setembro – José Bonifácio sente-se ludibriado, trapaceado, vítima de um imenso conto do vigário. Então ergue-se para a luta e, pela primeira vez, Portugal vê na frente, a arrostá-lo, um político de gênio capaz de emancipar o Brasil.
Ao lado de José Bonifácio e contra os deputados colonialistas de Lisboa, congrega-se, então, a maioria dos portugueses no Brasil. Aquele movimento reacionário da metrópole era um erro! Politicamente – no dizer de Talleyrand – um erro traz mais funestas consequências do que um crime. O regresso de D. Pedro a Lisboa e a descentralização do governo do Brasil só não pareceriam medidas inconcebíveis, utópicas, a quem vivesse alheio à realidade. De São Paulo escreve José Bonifácio ao Príncipe Regente:
“É impossível que os habitantes do Brasil que forem honrados e se prezarem de ser homens – e mormente os paulistas – possam consentir em tais absurdos e despotismos... V. A. Real deve ficar no Brasil quaisquer que sejam os projetos das Cortes Constituintes, não só para nosso bem geral, mas até para a independência e prosperidade futura do mesmo Portugal. Se V. A. Real estiver (o nome não é crível) pelo deslumbrado e indecoroso decreto de 29 de setembro, além de perder para o Mundo a dignidade de homem e de príncipe, tornando-se escravo de um pequeno número de desorganizadores, terá que responder, perante o céu, do rio de sangue que decerto vai correr pelo Brasil...”
Não era carta de áulico amável mas de homem decidido a vestir roupa de briga e partir para o entrevero. D. Pedro, porém, gostou dela. E tanto que a mandou copiar e divulgar.
Como todo paulista (ainda hoje), José Bonifácio, apesar de sábio, era, no fundo, caipira (“Nasci para homem de letras e roceiro”). Amava o seu chão e estava quase sempre disposto a contemporizar para não entrar em contendas. Uma vez metido nelas, porém, não mais saía. Ele e seus dois irmãos (Antônio Carlos e Martim Francisco) impunham-se entre os paulistas como pessoas instruídas e de alto nascimento. Mas o chefe da família era José Bonifácio. De São Paulo também. Quem, na cidade, ou em qualquer parte da província, duvidasse de tal chefia, começava logo apanhando provisoriamente uma surra. Seus adeptos encarregavam-se do serviço.
Em questões de Mineralogia dominava pelo saber extensíssimo, pelos conhecimentos exatos que adquirira da matéria. D. João VI, que fazia de José Bonifácio o melhor conceito, mandou-o em 1820 visitar a fábrica de ferro de Ipanema, em Sorocaba, e o parecer que redigiu, então, é ainda hoje impressionante. Acusa o mestre de forjas Lourenço Huttgren e todos os que ali se encontram (Frederico Luís Guilherme de Varnhagen, pai do futuro historiador, e os demais) de nada saberem sobre manipulação do ferro. “Hedberg, em vez de estabelecer fornos altos, contentou-se de construir quatro forninhos”. Essa arrojadíssima ideia de construir fornos altos em Sorocaba, em 1820, importando embora carvão, que na época era baratíssimo, revela o homem de gênio. Com ferro em abundância teríamos, desde então, máquina em abundância e ser-nos-ia não apenas possível, mas indispensável, abolir o cativeiro dos pretos.
O emprego de escravos na fábrica de Ipanema irritou José Bonifácio. Tudo ali lhe pareceu desmantelo, ignorância e roubo. Tornava-se indispensável “por um freio forte a tantos abusos e ladroeiras como é inegável que tem havido neste belo mas malfadado estabelecimento”.
Acusando em relatório o pai de Varnhagen de inepto e ladrão, disse-lhe provavelmente na cara conforme o seu liso, honrado costume. E isso explica as restrições do filho – que nunca foi historiador, mas simples cronista – ao seu papel grandioso, único, nos sucessos da Independência. Aos Andradas – escreve, entretanto, John Armitage – devem “o Brasil a Independência e D. Pedro a coroa”.
Chegado José Bonifácio ao Rio em janeiro de 1822, logo D. Pedro consegue que ele aceite a pasta de ministro do Reino e dos Estrangeiros, isto é – ministro do Interior e do Exterior – o que equivale a uma ditadura de fato. José Bonifácio exerce-a duramente, sem titubear, marchando firme, em linha reta, apoiado cordialmente pela princesa Leopoldina, moça instruidíssima, e pelo Príncipe, cujos instintos de mandonismo ela e ele não cessam de brecar. Logo conquista para a sua causa os representantes da Áustria e da Inglaterra, e não perde tempo: a 21 de janeiro ordena ao Chanceler-mor (Ministro da Justiça) que não publique lei alguma vinda de Portugal sem primeiro submeter à aprovação do Príncipe Regente (dele); nomeia um cônsul brasileiro para Londres declarando ao gabinete inglês que só tal funcionário poderá daí por diante liberar navios que se destinem ao Brasil; envia emissários às províncias do Norte, a fim de as congregar para a causa da Independência; avisa que terão de sujeitar-se à regência de D. Pedro, só a ela, e não a ordens que recebam de Lisboa; alicia conspiradores em Pernambuco, no Maranhão, no Rio Grande do Norte, na Bahia, no Pará, a fim de rebelarem, na hora exata, contra a metrópole, que o ludibriou a ele, rasgando o acordo do Reino Unido de Portugal e Brasil; empossa funcionários seus em todas as províncias, reorganiza, por intermédio de Martim Francisco, seu mano querido, o Erário Público, entregando-lhe o Ministério da Fazenda a 4 de julho; forma um Exército novo e contrata, para a obra de construção da Marinha de Guerra, Lord Cochrane, aventureiro intrépido, de caráter seguro. Suas horas de labor aumentam e seus cansados olhos tudo enxergam. Aconselha D. Pedro. Vigia-o e impede-o de agir precipitadamente. “Recebi a sua carta – escreve-lhe o Príncipe – e nela há judiciosas reflexões, as quais eu aprovo muito e agradeço; e digo que se todos os príncipes que quisessem obrar precipitadamente (assim como pelo Diabo eu ia fazendo) tivessem um amigo como eu me prezo de ter, eles nunca se deslumbrariam e a sua glória seria multiplicada todos os dias, graças a Deus que tal me concedeu. Logo quando passar por sua casa entrarei para lhe agradecer a franqueza que tem com este seu amo que cada dia é mais seu amigo”.
Trabalha intensamente, dando ao sono poucas horas. Induz o príncipe a conquistar as boas graças dos povos de Minas e de São Paulo. Tinha de viajar. O Brasil não é o Rio de Janeiro. D. Pedro conforma-se. Vai a Minas – mas não antes que José Bonifácio ali lhe prepare carinhosa recepção.
Gondin da Fonseca
Continua no próximo post. 
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Um comentário:

CÉU disse...

É longo o post, mas José Bonifácio merece isso e mto mais.

Conheço, razoavelmente, a atuação e atitudes desse político lúcido e atinado, que tudo fez para k o Brasil continuasse ligado a Portugal, embora cada país tivesse vida própria, naturalmente.

Não sei quem perdeu, não sei quem ganhou, mas, em minha opinião, perdemos ambos.

beijos e tudo de bom.

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