quarta-feira, 27 de abril de 2016

Grandes vultos: José Bonifácio - Parte 01.

 


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES
JOSÉ BONIFÁCIO – PARTE 01
(1763-1838)
A sã política é feita da Moral e da Razão”
A maior dificuldade que se me apresenta nesta biografia é condensá-la em poucas páginas. Exaustivo trabalho de síntese. Conforme disse Luís de Camões no seu mais admirável poema lírico, não se pode confinar a água do mar num pequeno vaso (Canção X). Ora, José Bonifácio é água do mar – e mar tempestuoso.
Teve o Brasil quatro estadistas peregrinos nos tempos modernos: José Bonifácio, D. Pedro II, Floriano Peixoto e Getúlio Vargas. De todos o maior foi José Bonifácio.
Tão grandes se revelaram esses quatro estadistas que, decorridos longos anos após a morte dos três primeiros (Getúlio é de ontem), ainda encontram detratores furiosos, que os não admitem, que os insultam, que os negam. Só criaturas excepcionais, muito acima da craveira dos homens de mérito vulgar, acendem paixões tão fundas e, aparentemente, tão inexplicáveis.
O Patriarca da Independência nasceu em Santos no dia 13 de junho de 1773 e ali o batizaram como José Antônio. Antônio, por ser dia do santo – o grande taumaturgo português, braço direito de São Francisco de Assis. Logo lhe mudaram, porém, o sobrenome para Bonifácio: o pai era Bonifácio, um tio era Bonifácio, outros Bonifácios existiam na família – e Santo Antônio não iria brigar por tão pouco. Diga-se, já, que faleceu em Niterói, a 6 de abril de 1838. Viveu, portanto 75 anos.
Foram seus pais Bonifácio José de Andrada e D. Maria Bárbara da Silva, gente de teres, de cultura e de família nobre. O avô de José Bonifácio, José Ribeiro de Andrada, chegado ao Brasil nos fins do século XVII, descendia de antigos fidalgos de entre Homem e Cávado – dois rios do norte de Portugal muito citados em costaneiras genealógicas e nos romances de Camilo Castelo Branco. Talvez que a melhor nobreza do Minho e de Trás-os-Montes provenha dali.
Por volta de 1763-1780, Santos era um lugarejo pobre, sem importância. Não teria cinco ruas transitáveis. Cinco? Três! Uns dois mil habitantes, no máximo. O movimento do porto era diminuto.
José Bonifácio de Andrada e Silva aprendeu com o pai, com os tios, e partiu para São Paulo aos 16 anos. Já então cometia sonetos e amava. Afastados do Brasil os jesuítas por ordem do Marques de Pombal, os estudos secundários e superiores ficaram ao desleixo mas, assim mesmo, o rapaz foi atamancando os preparatórios para a Universidade de Coimbra e bateu-se para Portugal onde, depois de prestar exame no Pátio, matriculou-se na Faculdade de Direito a 30 de outubro de 1783. Só regressaria ao Brasil em agosto de 1819. Admitindo-se que haja embarcado em 1782 (talvez antes) e considerando-se o exílio de quase seis anos que sofreu, de 20 de novembro de 1823 (data de sua partida do Rio de Janeiro) a 23 de julho de 1829 (data da chegada), vemos que José Bonifácio, embora falecido aos 75 anos, só viveu cerca de 33 anoa no Brasil. Tantos quantos Jesus Cristo. Se não foi como Jesus, crucificados pelos seus conterrâneos (que lhe devem a Independência e a União Nacional numa época de agitação e incertezas) pouco na realidade faltou para isso. Ainda há alguns anos tive de atirar pela janela afora o livro de um medíocre pimpolho do Itamarati, Heitor Lira, que em sua História de D. Pedro II (Col. Brasiliana, São Paulo) articula contra José Bonifácio as inépcias vomitadas por seus inimigos: Januário da Cunha Barbosa, Gonçalves Ledo, Marquês de Olinda, Marques de Sapucaí, Varnhagen, Calógeras, Euclides da Cunha, etc. Chega a acusá-lo de prevaricador, quase de ladrão: “é hoje sabido que José Bonifácio só consentiu no movimento pela Independência depois que de Portugal lhe suspenderam o pagamento dos empregos que desfrutava sem exercer.” Isto é uma infâmia. Na realidade, em Portugal, José Bonifácio ocupou vários empregos simultaneamente. Entretanto, recebia apenas os magros proventos de inspetor das minas de carvão, professor da Universidade de Coimbra e talvez de mais outro cargo – mas bagatelas que mal lhe davam para viver. Não queria, aliás, ser professor da Universidade. Forçavam-no a aceitar lugares disto e daquilo porque era o maior, decididamente o maior. Inteligentíssimo, cultíssimo, falando e escrevendo correntemente o latim, o grego, o francês, o inglês e o alemão, o Duque de Lafões integrou-o na Academia das Ciências mal o viu formado em Filosofia e Leis. Comissionou-o em seguida o governo de Lisboa para correr a Europa em companhia de Manuel Ferreira Câmara Bethencourt e Sá ( brasileiro) e Joaquim Pedro Fragoso a fim de “adquirirem por meio de viagens literárias e explorações filosóficas os conhecimentos mais perfeitos da Mineralogia e mais partes da Filosofia e História Natural”.
José Bonifácio partiu em junho de 1790 e regressou em setembro de 1800. O dinheiro que lhe pagavam era mesquinho mas os conhecimentos que adquiriu, inestimáveis. Se em Portugal frequentava os meios palacianos, a isso o compeliam a posição, a cultura e o nascimento. Aparentava-se com a maior nobreza do reino – os Linhares, os Bobadela Freire de Andrada, os Marqueses de Montebelo e toda a descendência dos antigos ricos-homens do Minho e de Trás-os-Montes. Contava, na família, nomes ilustres nas letras e nas armas – Diogo de Paiva Andrada, teólogo famoso que representou brilhantemente Portugal no Concílio de Trento; Miguel Leitão de Andrada que se bateu em Alcacer-Kibi e, jovem ainda, conheceu Camões velho e glorioso; Jacinto Freire... Como lhe seria possível isolar-se da Corte e fugir aos encargos que lhe davam – encargos que eram sobretudo honrarias e na sinecuras.
Disse-me um dia o meu saudoso Edmundo Navarro de Andrade (agrônomo paulista formado pela Universidade de Coimbra) que lera em Portugal um trabalho de José Bonifácio verdadeiramente inexcedível sobre a plantação de pinheiros na areia e a fixação das dunas de praias.
– Não se avançou nada, ainda hoje – declarou – sobre aquilo que ele sabia.
Em literatura, seu grande mestre foi Luís de Camões. E a seguir, Filinto Elíseo – também discípulo de Camões. Possuindo o grão poeta quinhentista vastíssima cultura, nada mais natural que José Bonifácio o imitasse instruindo-se, mesmo para o compreender e comentar. Três paixões o dominaram: a das belas mulheres, dos bons livros e da Mineralogia. Mas sobre todas, num plano mais alto, a do amor a Pátria. Ao falecer em 1838, deixou das melhores coleções mineralógicas do mundo organizadas nesse tempo e uma biblioteca de seis mil volumes. Humboldt, que privou com ele, chama-lhe “mestre da ciência”. Vivia em Portugal muito modestamente, sem o menor brilho. Tinha alma de pobre. O Barão Guilherme Luís von Eschwege, que ali o conheceu, descreve-o de jaqueta marrom velha e calças compridas (em vez de calções e meias de seda) e não lhe gaba o paladar. Comia como o povo baixo: sopa de pão, verduras, toucinho, linguiça... Falava rapidamente o alemão, embora com certo sotaque. Baixo, magro (estatura menor que a meã) ,olhos escuros, pequenos e brilhantes, nariz curvo, cabelos pretos, finos e lisos, que uma trança prendia. Vaidoso. Orgulhoso. Língua afiada. Bravo. Não media censuras nem as poupava.
Sua autocrítica nada tinha de benigna. Corram-lhe o Diário de observações e notas sobre as minhas leituras, conversações e passeios. Achava-se duro, seco e de imaginação apagada ao escrever. Muito matter-of-fact. Enunciativo, esquemático.
Gostava de boa conversa, de dar gargalhadas e contar anedotas. Mulheres. Fundamentalmente polígamo. Casara-se com D. Narcisa Emília O'Leary, uma bela senhora de origem irlandesa, mas não a julgava insubstituível. Substituia-a frequentemente – e certa substituição acabou em choro de criança: uma menina que Narcisa acolheu quando ainda de mama e a quem deu o próprio nome. Chamou-se Narcisa Cândida.
Teve José Bonifácio duas filhas legítimas: Carlota Emília (que se casou com Alexandre Antônio Vandelli, auxiliar dele, José Bonifácio, na Intendência Geral das Minas e Metais e na Academia de Ciências) e Gabriela Frederica (que se casou com seu tio Martim Francisco). Não deixou filhos varões. Seu grande amor paterno foi a filha bastarda, nascida quando ele já contava cinquenta e seis anos.
Ser-lhe-ia possível, em 1808, vir para o Brasil com D. João VI. Não quis. Preferiu ficar e lutar contra os franceses, que invadiram Portugal nesse ano sob o comando de Junot; no ano seguinte, sob o comando de Soult; e em 1810, sob o comando de Massena, denominado por Napoleão, “l'enfant chéri de la Victoire”. José Bonifácio viu, antes de alguém no seu tempo – antes de Napoleão, antes de Wellington – que guerra era usina. Assim, contra Junot, lutou fabricando armas, organizando a retaguarda. Em 1809 avança para o combate contra Soult com o posto de major e, logo a seguir, promovido por atos de bravura, como tenente-coronel e comandante. Ignorando absolutamente o perigo, marcha à frente da tropa para dar exemplo. Advertido, despreza os avisos. Tem, afinal, Wellington, de baixar ordem formal para que siga à retaguarda e não comande na primeira linha de fogo – o que nos parece, na verdade inconcebível. José Bonifácio bateu-se sempre com denodo até o fim, até que os últimos soldados de Massena abandonassem o solo português. Valente até ali.
Enquanto os outros fugiam em 1808, ele ficara. Um Andrada não foge – costumava dizer. Mas depois de 1810 queria regressar à terra natal. E isso foi difícil de conseguir. Difícil porque não havia em Portugal gente habilitada. Queriam-no para tudo. Davam-lhe tantos encargos que jamais lhe seria possível exercê-los, tivesse o dia 60 horas em lugar de 24. Escreveu para o Brasil. Meteu Empenhos. Fatigado, D. João VI ordenou que lhe concedessem passaporte para o Rio de Janeiro e ele embarcou numa galera em fins de agosto de 1819.
Gondin da Fonseca
Continua no próximo post.
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2 comentários:

Elvira Carvalho disse...

Muito interessante.
Amigo, se puder passe pelo Sexta hoje.
Abraço

Andre Mansim disse...

Um belo texto! Cheio de explicações e dados importantes.
Você tem o dom de escrever e passar conhecimento.

Muito bom!!!

Só uma dica: Eu acho que se você dividir a postagem em 2 ou 3 vai alcançar mais leitores.

Um abração!

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